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Por Marta Caregnato
Filosofia (do grego filo = amor, sofia = sabedoria) significa amor à
sabedoria, ou amor pela sabedoria. O primeiro a pronunciar a palavra
“filosofia”, segundo a tradição, foi Pitágoras, que disse: “A sabedoria só
convém a Deus, o máximo que o ser humano pode aspirar é ser um amigo da
sabedoria, ou seja, um filósofo”.
A filosofia surgiu na Grécia por volta do
século VI a.C. Antes dessa época, as perguntas sobre a vida e o surgimento do
universo haviam sido respondidas por mitos através de diversas religiões. As
mitologias explicavam os fenômenos da natureza, como a chuva, terremotos, entre
outros. Os primeiros filósofos começaram a questionar essa visão mitológica do
mundo. Surge, assim, uma nova visão de mundo baseada na razão (logos). Os
filósofos gregos começaram a buscar explicações racionais para os fenômenos da
natureza. Este método racional foi a grande descoberta do gregos. Esta
descoberta condicionou todo o ocidente. Desde então, nos tornamos a cultura da razão.
A Filosofia pretende explicar a totalidade das coisas, isto é, o todo, toda a realidade. Esta é a
diferença entre a filosofia e as ciências particulares. Pois, as ciências se
limitam a explicar partes da
realidade. Quando, por exemplo, nos perguntamos: “O que é o ser humano?” A
Biologia, que é uma ciência particular, reduz o ser humano a um conjunto de
genes (basta lembrar o Projeto Genoma). Ao passo que a Filosofia pretende
explicar o ser humano em sua totalidade (corpo, alma e espírito).
Para explicitar melhor, poderíamos analisar os
diferentes hobbies das pessoas[1].
Existem alguns que colecionam moedas antigas ou cartões telefônicos, outros
gostam de artesanato. Alguns são fascinados com esportes, outros com novelas,
outros ainda preferem ler. Entre as leituras, existem aqueles que curtem
aventura, outros romance, outros ainda preferem suspense ou tecnologia. Se me
interesso por leitura não posso querer que todos tenham o mesmo interesse. Se
gosto de futebol, tenho que aceitar que outras pessoas acham o futebol uma
chatice. Mas será que existe alguma coisa que interessa a todos? Sim. É sobre
tais questões que a filosofia trata. Nós precisamos saber quem somos e porque
vivemos. Este interesse não é comum como, por exemplo, colecionar cartões
telefônicos. Saber quem somos, ou como surgiu a vida é mais importante do que
saber quem ganhou a copa do mundo. A filosofia trata de questões como: Quem sou
eu? De onde vim? Existe uma vontade ou sentido atrás do que ocorre? Como
devemos viver? Qual o fundamento último da realidade?...
Mas por que o ser humano sentiu a necessidade
de perguntar? Os antigos[2]
respondiam que tal necessidade se enraíza na própria natureza humana.
Aristóteles escreve: “Por natureza todos os humanos aspiram o saber” (...)
“Exercitar a sabedoria e o conhecer são por si mesmo desejáveis aos seres
humanos: com efeito, não é possível viver como seres humanos sem essas coisas”.
As pessoas aspiram naturalmente à sabedoria porque se sentem cheios de
maravilhamento, de admiração. Segundo Aristóteles: “Os seres humanos começaram
a filosofar tanto agora como na origem por causa do maravilhamento: no
princípio, ficavam maravilhados diante das dificuldades mais simples; em
seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram se colocar problemas sempre
maiores, como os relativos aos fenômenos da lua, do sol e dos astros e, depois,
os problemas relativos à origem de todo universo”.
Os problemas da filosofia, como: “Por que
existe o ser e não o nada?”, “ Qual a razão de tudo?”, “ Por que eu existo?”...
São problemas que não podem ser rejeitados. “São problemas que, a medida que
são rejeitados, diminuem aquele que os rejeita”[3]. A admiração que surge do filosofar pode ser
comparada a um truque de magia[4].
Não compreendemos como o mágico consegue transformar dois lenços em um coelho.
Assim é o mundo tão incompreensível quanto um coelho tirado da cartola de um
mágico. Em relação ao coelho, sabemos que o mágico nos iludiu. Quanto ao mundo,
sabemos que ele não é mentira nem ilusão. Na realidade somos o coelho tirado da
cartola. A diferença é que o coelho não sabe que está participando do truque de
mágica. Nós sabemos que fazemos parte deste mistério e gostaríamos de explicar
como isso funciona.
O coelho poderia ser comparado com todo o
universo. Nós somos os bichinhos que vivem no fundo dos pêlos do coelho. Mas os
filósofos tentam sair do fundo dos pêlos para a ponta dos finos pêlos e olhar
dentro dos olhos do grande mágico.
“Vamos resumir: um coelho branco é tirado de
dentro de uma cartola. E porque se trata de um coelho muito grande, este truque
leva bilhões de anos para acontecer. Todas as crianças nascem nas pontas dos
finos pêlos do coelho. Por isso, elas conseguem se encantar com a
impossibilidade do número de mágica a que assistem. Mas conforme vão
envelhecendo, elas vão se arrastando cada vez mais para o interior da pelagem
do coelho. E ficam por lá. Lá em baixo é tão confortável que elas não ousam
mais subir até a ponta dos finos pêlos lá em cima. Só os filósofos têm
ousadia para se lançar nesta jornada rumo aos limites da linguagem e da
existência. Alguns deles não chegam a concluí-la, mas outros se agarram com
força aos pêlos do coelho e berram para as pessoas que estão lá em baixo, no
conforto da pelagem”[5]:
- Senhoras e senhores – gritam os filósofos –
“uma vida sem busca não merece ser vivida”!
Mas ninguém lá em baixo se interessa pela
gritaria dos filósofos.
- Deus do céu! Que caras mais barulhentos!
E continuam a conversar: você poderia me
passar o açúcar? Você viu o que aconteceu na novela das oito? Quem você acha
que vai para o paredão no Big Brother? Você viu o final do campeonato?
EXERCÍCIO:
Fazer uma redação: “Quem sou eu? De onde vem o
mundo? De onde vem o certo e o errado? Deus existe?”
2. OS
PRÉ-SOCRÁTICOS OU FILÓSOFOS DA NATUREZA (PHYSIS)
2.1. TALES
“Tudo é
água”. (Tales)
Os primeiros filósofos gregos são chamados de
filósofos da natureza, porque se interessavam pelo problema concernente ao
princípio (arché), ou seja, a origem
de todas as coisas. Estes filósofos denominavam a realidade originária por physis, isto é, natureza. Por esta
razão, os primeiros filósofos que desenvolveram esta problemática são chamados
também de físicos. O “princípio” (arché) é aquilo de que derivam todas as
coisas.
O primeiro filósofo que temos notícia é Tales
de Mileto. Tales disse que o princípio do universo é a água. O filósofo
identificou o princípio com a água, porque constatou que a água está presente
em tudo que tem vida. A árvore, por exemplo, só vem a existir pela umidade que
a semente recebe.
Dentre os fragmentos atribuídos a Tales,
conservam-se as seguintes máximas[6]:
“Muitas palavras não revelam opinião sábia.
Procura uma única sabedoria, escolhe um único bem, pois assim calarás as
línguas inquietas dos homens loquazes”.
“Deus é o mais antigo dos seres, pois é
incriado.
Mais belo é o universo, pois é obra de Deus.
Maior é o espaço, pois contém todas as coisas.
Mais veloz é o espírito, pois corre para tudo.
Mais forte é a necessidade, pois domina tudo.
Mais sábio é o tempo, que revela tudo”.
2.2.
ANAXIMANDRO
“O
princípio dos seres é o infinito”. (Anaximandro)
Anaximandro de Mileto (fim do séc. VII –
segunda metade do séc. VI a.C.) foi discípulo de Tales, continuou a pesquisa do
princípio e criticou o pensamento de seu mestre. Para Anaximandro, o princípio
é o infinito (apeíron), as coisas
derivam dele por uma espécie de injustiça
originária. O nascimento está ligado ao nascimento dos contrários, que tendem a subjugar um ao outro. A morte é o retorno
dos contrários por uma espécie de
expiação.
2.3.
ANAXÍMENES
“Como a
nossa alma, sendo ar nos mantém vivos, da mesma forma o sopro e o ar sustentam
o cosmo inteiro”. (Anaxímenes)
Anaxímenes de Mileto (séc. VI a.C.) foi aluno
de Anaximandro e sustentava que o ar
infinito, difuso por toda parte em movimento é a substância básica de todas
as coisas. O ar sustenta e governa o universo.
2.4.
HERÁCLITO DE ÉFESO, O “OBSCURO” (540 – 480 A .C.)
“Não se
entra duas vezes no mesmo rio”. (Heráclito)
Heráclito de Éfeso (540 – 480 a .C.) Sua teoria: tudo está em eterno
fluir; as contradições harmonizam-se e unificam-se. O fogo seria a causa primitiva do Universo.
Segundo Heráclito, a característica
fundamental da natureza é a constante transformação. Heráclito dizia: “Tudo
flui” (panta rhei), ou seja, tudo
está em movimento, em constante transformação e nada dura para sempre. Por
isso, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio”. Quando entramos no rio pela
segunda vez, ele já não é o mesmo.
Ser e não ser, tudo e
nada, dia e noite, fogo e gelo, amor e ódio são “oposições” que, em algum
momento, se harmonizam.
Tudo tende ao seu
contrário. Em alguns dos versos atribuídos a Heráclito, encontramos tentativas
de “demonstração” desta proposição. Exemplo:
ü
Uma roupa de tecido branco,
se deixada sem nenhuma proteção, exposta ao ambiente, tende a escurecer; já uma roupa de tecido preto, exposta a sol e chuva, tende a clarear.
ü
Há amores que viram ódio e vice-versa. Você já ouviu algo
assim? - Cuidado, essa sua implicância com Fulano(a) ainda vai virar romance!
Pois saiba que não só vovós, mamães, amiguinhas e titias disseram e dizem
coisas como essa. Para muitos psicanalistas, nossos impulsos de vida e de morte, de amor e de ódio, têm mesmo uma estreita ligação.
2.5. PARMÊNIDES
“O ser é, o não-ser não é, o ser é e não poderia deixar de
ser”. (Parmênides)
Parmênides queria dar uma resposta aos
seguintes questionamentos: qual é a composição básica e fundante do Universo?
Qual é o elemento ao qual se pode reduzir tudo o que existe? E é o ser, segundo
Parmênides, o tal elemento fundante. Antes de ser qualquer coisa, uma coisa
somente é. Ou seja, antes de ser verde, uma árvore é arvore. Antes de ser árvore, uma árvore, ou qualquer outra coisa,
simplesmente é.
Segundo Parmênides, pensamento e
expressão do pensamento (linguagem) são possibilidades idênticas no horizonte
do ser. Dito de modo mais claro: uma
coisa é ou não é. Se é, pode ser pensada. Se pode ser pensada, pode ser
expressa de alguma forma. Se é (existe), pode ser pensada e expressa pela
razão.
Tudo o que existe, segundo Parmênides: é
idêntico a si mesmo, é imóvel e é imutável.
Em Parmênides encontramos
um elemento básico das teorias sobre o que existe e o que não existe; ele foi o
primeiro a colocar a razão, o pensamento acima da experiência. O mundo real não
é o que pode ser observado, mas, o que pode ser racionalmente expresso e analisado.
1.6. OS
PITAGÓRICOS
“O um é
o princípio de todas as coisas”.
Para os pitagóricos, o princípio da realidade
é o “número”. Porque os fenômenos mais significativos, como as harmonias
musicais e os fenômenos astronômicos, acontecem segundo a regularidade numérica.
Os pitagóricos herdaram do Orfismo o conceito
de metempsicose, ou seja, a reencarnação em virtude da purificação da alma para
o retorno aos deuses. A virtude catártica era o conhecimento filosófico, isto
é, a vida contemplativa suprema que eleva o ser humano à contemplação da
Verdade.
1.7.
EMPÉDOCLES (484 – 424 A .C.)
“Durante
o ódio tudo é distorcido e contrastante, mas depois, durante o amor, estão
próximos, e uns pelos outros se anseiam os elementos de que resultam todas as
coisas”. (Empédocles)
O princípio, para Empédocles, é água, ar,
terra e fogo movidos e governados por duas forças cósmicas: o amor e o ódio. O
amor agrega e o ódio desagrega. Quando o amor prevalece, temos a unidade (esfero). Quando o ódio prevalece, temos
o máximo de desagregação (caos). Do
predomínio relativo do ódio gera-se o cosmo.
3. O
SURGIMENTO DOS SOFISTAS E O DESLOCAMENTO DO EIXO DE PESQUISA FILOSÓFICA DA
NATUREZA PARA O SER HUMANO
O termo sofista significa sábio. Os sofistas
eram pessoas estudadas, que cobravam para ensinar. Eles inovaram a problemática
filosófica deslocando o eixo de pesquisa da natureza para o ser humano. Os
principais sofistas foram Protágoras de Abdera (487 – 420 a .C.), Górgias e Pródico.
Os sofistas criticam o conceito de Verdade e Bem, consideram a virtude como
objeto de ensino e consideram-se mestres da virtude.
II.
FILOSOFIA ANTIGA
1.
SÓCRATES (470 – 399 A .C.)
E A FUNDAÇÃO DA FILOSOFIA MORAL OCIDENTAL
“A alma
nos condena a conhecer aquele que nos adverte: ‘conhece-te a ti mesmo’.” (Sócrates)
Sócrates não deixou nada escrito. O que
conhecemos de Sócrates veio através de seus discípulos, sobretudo de Platão,
que escreveu muitos Diálogos, nos
quais Sócrates aparece. Sócrates andava pelas ruas de Atenas conversando com as
pessoas. Através do diálogo, Sócrates fazia perguntas às pessoas, levando-as a
refletir, permitindo que as pessoas chegassem às suas próprias conclusões. Este
método é chamado de maiêutica, que
traduzido do grego significa “fazer nascer”, “dar a luz”. Sócrates se
considerava um “parteiro de almas”, pois, ele ajudava as pessoas a “parir suas
idéias”, ou seja, “pôr suas idéias para fora”. Assim como a capacidade de dar a
luz é uma característica natural da mulher, assim também, as pessoas podem
compreender as verdades filosóficas. E da mesma forma como uma parteira apenas
ajuda uma mulher a dar a luz a uma criança que já existe no ventre. Assim
também, Sócrates só ajudava as pessoas colocar suas próprias idéias para fora,
bastando para isso, apenas que a pessoa fizesse o uso de sua razão.
1.1. A
ESSÊNCIA HUMANA
A filosofia de Sócrates consiste na busca de
um fundamento da vida moral. Esse fundamento está na essência humana. Qual é a
essência humana? O ser humano é a sua alma (psyché).
Por alma, Sócrates entende a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e
eticamente operante. É a nossa consciência, personalidade intelectual e moral.
“Conhecer a si mesmo” é conhecer a sua essência.
1.2. A
ÉTICA SOCRÁTICA
Para Sócrates, quem sabe o que é bom faz o
bem. O conhecimento do que é certo leva ao agir correto. A virtude é o
conhecimento do bem, e o vício é a ignorância. Quando alguém age errado é por
não conhecer o bem, ou por esperar extrair do mal algum bem.
1.3.
VIRTUDE, LIBERDADE E FELICIDADE
Para os gregos, a virtude é aquilo que torna
uma coisa boa e perfeita naquilo que é. A virtude do ser humano é aquilo que
torna a alma boa e perfeita, que para Sócrates, é o conhecimento.
Para Sócrates, a liberdade consiste no domínio
da racionalidade sobre as paixões e pulsões. Desse modo, a alma deve ser
senhora do corpo e das pulsões. Aquele que
domina as paixões é verdadeiramente livre, ao passo que aquele que não
sabe dominar as paixões é escravo.
A felicidade não pode vir das coisas
exteriores do corpo, mas somente da alma, pois, esta é a sua essência. E a alma
é feliz quando é virtuosa. Sócrates diz: “Para mim, quem é virtuoso, seja homem
ou mulher, é feliz, ao passo que o injusto e malvado é infeliz”. Assim como a
doença é desordem do corpo, a saúde da alma é ordem da alma, e esta ordem
espiritual ou harmonia interior é a felicidade.
Os questionamentos de Sócrates despertaram o
ódio de muitas pessoas. Ele foi condenado à morte acusado de não acreditar nos
deuses da cidade e por corromper a juventude.
2.
PLATÃO (427 – 347 A .C.)
– O HORIZONTE DA METAFÍSICA
“A
virtude não tem padrão: conforme cada um a honre ou a despreze, dela terá mais
ou menos”. (Platão).
Platão considera a
realidade dividida em duas partes: o mundo sensível dominado pelas sombras, que
é este mundo habitado por nós, e o mundo inteligível. Do mundo sensível só
temos opiniões vagas. Seu conhecimento é aproximado ou imperfeito. Neste mundo
tudo passa, nada dura para sempre. O mundo inteligível é onde se encontram as
Idéias Perfeitas. Do mundo das Idéias podemos ter um conhecimento seguro se
fizermos o uso de nossa razão. Este mundo não pode ser conhecido através dos
sentidos. O mundo das Idéias é a verdadeira realidade eterna e imutável. Onde
se encontra o “eternamente verdadeiro”, o “eternamente belo” e o “eternamente bom”,
ou seja, a “Verdade em si”, o Belo em si” e o “Bem e si”.
As Idéias são o “verdadeiro ser”, “o ser em
si”, são as essências das coisas, isto é, aquilo que faz com que cada coisa
seja aquilo que é. Por exemplo, a essência humana ou humanidade é o que faz com
que o ser humano seja o ser humano. A essência de maçã, ou maçãneidade é o que
torna a maçã uma maçã e não uma laranja.
Nós estamos
prisioneiros no mundo sensível, mas não temos consciência dessa situação. Isto
porque nascemos dentro dela e não temos condição de compará-la a outra
realidade diferente.
No
mundo da Idéias existem os seres e objetos reais.
Desses seres só conhecemos as sombras ou
cópias. Para chegarmos ao conhecimento da realidade precisamos nos libertar.
Essa libertação é desagradável. Não queremos trocar a “cegueira das sombras”
pelo “ofuscamento da luz”. Até a visão ficar clara, corre-se o risco de ceder
ao medo, à acomodação e se arrastar para a ignorância.
Mas quem se libertou
da ignorância, saiu das “sombras” e contemplou a “verdadeira realidade”, ou
seja, conheceu o Bem não quer guardá-lo para si. A tendência natural das
pessoas é retornar à caverna e libertar os prisioneiros.
2.1. A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO
A concepção platônica
de ser humano é dualística: o ser humano é corpo e alma. O corpo é prisão ou
túmulo da alma. Enquanto temos um corpo somos prisioneiros em uma tumba, isto
é, estamos mortos, pois, somos essencialmente alma. Quando nosso corpo morre,
nossa alma se liberta do cárcere. O corpo é a fonte de todos os males: pulsões,
amores insensatos, discórdias, cóleras, entre outros.
Dessa forma, a alma
deve fugir do corpo. Por isso, “filosofar é aprender a morrer”. Com a morte
podemos voltar para a verdadeira realidade e contemplar as Idéias Puras.
A doutrina platônica
pressupõe a imortalidade da alma e a doutrina da transmigração das almas em
diferentes corpos.
2.2. TEXTO COMPLEMENTAR:
A ALEGORIA DA CAVERNA (Platão)[7]
SÓCRATES –
Imaginemos que existam pessoas morando numa caverna. Pela entrada dessa caverna
entra luz vinda de uma fogueira situada sobre uma pequena elevação que existe
na frente dela. Os seus habitantes estão lá desde a infância, algemados por
correntes nas pernas e no pescoço, de modo que não conseguem mover-se nem olhar
para trás, e só podem ver o que ocorre à sua frente.
Entre
aquela fogueira e a entrada da caverna existe um caminho, ao longo do qual se
ergue um pequeno muro, semelhante aos tapumes que os apresentadores de
fantoches usam para erguer seus bonecos ao público.
GLAUCO –
Estou vendo.
SÓCRATES –
Imagina também que pelo caminho ao longo do muro passam pessoas transportando
sobre a cabeça todos os tipos de objetos: estatuetas de figuras humanas e de
animais, feitas de pedra, de madeira ou qualquer outro material. Como é natural
essas pessoas passam conversando ao longo do muro.
GLAUCO –
Acho isso muito esquisito, assim como os prisioneiros que você inventou.
SÓCRATES –
Pois eles parecem conosco. Mas continuemos com a nossa comparação. Naquela
situação, você acha que os habitantes da caverna, a respeito de si mesmos e dos
outros, consigam ver outra coisa além das sombras que o fogo projeta na parede
ao fundo da caverna?
GLAUCO –
Com a cabeça imobilizada por toda a vida, só podem ver sombras!
SÓCRATES –
E também com relação aos objetos transportados que ultrapassam a altura do
muro?
GLAUCO –
Exatamente a mesma coisa!
SÓCRATES –
Se eles pudessem conversar entre si, não lhe parece que pensariam nomear de
objetos reais as sombras que vissem?
GLAUCO –
Certamente.
SÓCRATES – Além disso, se a caverna tivesse um
eco, quando alguém falasse lá fora os prisioneiros pensariam que os sons fossem
emitidos pelas sombras projetadas.
GLAUCO –
Não resta a menor dúvida.
SÓCRATES –
Portanto, os habitantes daquele lugar só poderiam pensar que a realidade seria
as sombras dos objetos.
GLAUCO – É
claro!
SÓCRATES –
Imagine agora o que aconteceria se os habitantes fossem libertados das cadeias
e curados da ignorância em que vivem. Se libertassem um dos prisioneiros e o
forçassem a se levantar de repente, a olhar para trás, caminhar dentro da
caverna e olhar para a luz, ao fazer isso ele sofreria e, ofuscado, não
conseguiria ver os objetos dos quais só tinha visto as sombras. Que pensa você
que ele diria se alguém afirmasse que tudo o que ele tinha visto até então não
passava de sombra e que a partir de agora ele estaria mais perto da realidade e
poderia ver os objetos mais reais? Não ficaria confuso se lhe mostrassem algum
dos objetos transportados ao longo do muro e o obrigassem a dizer o que era?
Você não acha que ele pensaria serem mais reais as sombras de antes do que os
objetos de agora?
GLAUCO –
Acho que sim.
SÓCRATES –
E se o forçassem a encarar a própria luz? Você não acha que seus olhos doeriam
e que, virando de costas, voltaria para junto das coisas que podia ver, e continuaria
pensando que elas eram mais reais do que os objetos que lhe mostravam?
GLAUCO –
Exatamente.
SÓCRATES –
E se o arrastassem para fora da caverna, forçando-o a escalar a subida íngreme,
e não o soltassem antes de alcançar a luz do sol, não seria normal que ele
ficasse aflito e irritado por ser arrastado daquele modo, e, chegando à luz do
sol, com os olhos ofuscados, nem conseguisse distinguir as coisas que lhe
diriam ser verdadeiras?
GLAUCO – É
certo que não conseguiria, pelo menos de súbito.
SÓCRATES –
Precisaria habituar-se se quisesse ver as coisas que existem na região
superior. No início veria melhor as sombras, em seguida, veria as imagens dos
homens e dos objetos refletidas na água e, por último conseguiria ver os
próprios objetos. Depois disso, poderia contemplar o que há no céu durante a
noite, olhando a luz das estrelas e a lua, com muito mais facilidade do que se
olhasse o sol à luz do dia.
GLAUCO –
Não poderia ser diferente.
SÓCRATES –
Penso que, finalmente, ele poderia olhar diretamente para o sol e contemplar,
não mais as coisas no mundo visível, e que, de certo modo, é a causa de tudo o
que ele tinha visto na caverna.
GLAUCO –
Certamente chegaria a estas conclusões.
SÓCRATES –
Você não acha que, quando ele se lembrasse da antiga habitação, dos
conhecimentos que lá possuíra e dos antigos companheiros de prisão, ele se
alegraria com a mudança e lamentaria a situação dos outros?
GLAUCO –
Decerto que sim.
SÓCRATES –
Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras e elogios entre si, e
atribuíssem prêmios a quem fosse mais rápido em distinguir os objetos que
passavam, se lembrasse melhor a seqüência em que eles costumavam aparecer e
fossem mais hábil em predizer o que aconteceria. Você acha que o prisioneiro
libertado sentiria saudades dessas situações e teria inveja dos prisioneiros
mais honrados e poderosos? Não lhe parece que ele preferiria estar a serviço de
um poder lavrador ou padecer tudo no mundo do que voltar às ilusões de antes e
viver daquele modo?
GLAUCO –
Suponho que ele preferiria sofrer qualquer coisa a viver daquela maneira.
SÓCRATES –
E se, estando ainda ofuscado, tivesse de julgar aquelas sombras em competição,
por acaso não provocaria risos nos prisioneiros que tivessem permanecido na
caverna? Não diriam que a subida para o mundo superior lhe prejudicou a vista e
que, portanto, não valia a pena tentar subir para lá? Você não acha que, se
pudessem, os prisioneiros até matariam quem tentasse libertá-los e conduzi-los
para cima?
GLAUCO –
Certamente fariam isso.
3. ARISTÓTELES (384 – 322 A .C.) – METAFÍSICA COMO
FILOSOFIA PRIMEIRA
“Não se deve dar
ouvidos àqueles que aconselham ao homem, por ser mortal, que se limite a pensar
coisas humanas e mortais; ao contrário, porém, à medida do possível, precisamos
nos comportar como imortais e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre
em nós”. (Aristóteles)
Aristóteles de
Estagira
(384-322 a .C.)
Na juventude foi discípulo de Platão. Em 343,
Filipe, rei da Macedônia o responsabiliza pela educação de Alexandre. Consegue agrupar e sistematizar praticamente
todo o saber existente em sua época; suas contribuições para as ciências e as
filosofias permanecem na atualidade. A ele são atribuídos inúmeros escritos sobre
ética, política, zoologia, cosmologia, botânica, lógica e sobre a “filosofia do
ser enquanto ser” ou “filosofia primeira”, mais tarde chamada metafísica.
3.1. UMA TEORIA QUE EXPLICA TUDO O
QUE EXISTE
O objetivo de
Aristóteles era conceber um conjunto de idéias bem fundamentadas que desse
conta de explicar toda a realidade. Depois dele, muitos filósofos
tentaram o mesmo. Estas filosofias são chamadas de sistemas e seus
autores de filósofos sistemáticos.
Hoje duvida-se que esta tarefa seja
possível ou desejável. De qualquer forma, podemos imaginar o que restaria para
nós, humanos, habitantes de um pequeno planeta azul-esverdeado, se pensássemos saber tudo
sobre tudo ou, talvez, se, de fato, soubéssemos tudo o que há para saber
sobre tudo.
Para Aristóteles,
o movimento e as relações dos entes no Cosmo são explicadas por três idéias
básicas, intimamente ligadas entre si:
1) a teoria
do ato-potência;
2)
a teoria das quatro causas;
3)
a teoria dos atributos trancendentais dos entes.
A ciência do
“ser enquanto ser” (Filosofia Primeira, Ontologia ou Metafísica) afirma que
tudo no Universo caminha para tornar-se o que realmente pode e deve ser. Assim, um óvulo humano fecundado, necessariamente,
se tudo correr bem no processo de gestação, dará origem a uma criança humana.
De uma semente de maçã jamais nascerá uma laranjeira. A semente de maçã é
potencialmente um “pé” de maçã. Este, por sua natureza específica, é
potencilamente um ente que tende a realizar sua “missão natural”: originar
várias maçãs.
Em linguagem
aristotélica ...
●
semente de maçã
|
● maçã
|
Maçã em
possibilidade (potência em relação ao ente maçã)
|
Ente
realizado (ato) a partir do ente-potência (semente)
|
Maçãs,
árvores, minerais, seres humanos, etc...têm potencialidades a realizar de
acordo com suas respectivas naturezas. O que é possível aos entes é determinado
por sua especificidade, por seu modo-de-
ser- no-mundo.
3.2. AS QUATRO CAUSAS
Para explicar
a teoria das quatro causas é comum utilizar-se o exemplo que o próprio
Aristóteles criou: a confecção de uma estátua.
Sua matéria,
o mármore, é sua causa material. Sua
forma, a imagem que ela representa é sua causa
formal. O escultor que a fez é o princípio do movimento que lhe deu a
forma, é sua causa eficiente. Por
último, o objetivo, a finalidade do escultor é sua causa final.
A matéria não
tem muita importância pois é acidental ou contingente. Isto é, se em vez de
mármore, o material fosse a argila, a estátua continuaria sendo estátua. A
forma final da estátua é a transformação de uma possibilidade (potência) em
realidade (ato). Assim, tanto mais útil e bela será uma obra, quanto mais
próxima da perfeição formal ela ficar. A causa eficiente se aproxima de duas
noções: técnica e movimento (ação). Ela
é instrumento, é meio pelo qual as potências se tornam ato.
As quatro causas explicam toda
a realidade e não apenas as obras humanas. Há uma certa hierarquia entre elas:
os princípios ordenadores do cosmos podem ser relacionados à causa final; ela
aponta o fim último do Universo, os objetivos maiores para os quais os entes caminham. Assim,
também, cada ser atua como causa eficiente e como causa final sobre os seres
que lhe são inferiores.
Numa linha ascendente poderíamos situar: os minerais, as
plantas, os animais não racionais, os
seres humanos (animais racionais) e...
por fim, Deus, aquele que é forma pura,
pensamento perfeito, primeiro motor imóvel, ato puro.
3.3. TUDO CAMINHA PARA O BEM
As essências
dos entes são transcendentais. Suas finalidades estão além deles mesmos
enquanto ato. Complicado? Voltemos então para a maçã. A essência da maçã é
aquilo que a caracteriza, que faz dela uma maçã e não outra coisa qualquer, é
sua “verdade”. Não é a maçã que define o que ela quer ser. Pois essa definição, essa verdade, já está prevista.
A maçã tende a realizar toda a sua potencialidade. Tende a realizar sua maçaneidade.
É essa a finalidade última do ser maçã; ser exatamente ela mesma.
Assim,
segundo Aristóteles, as qualidades próprias à ordem do Universo, à natureza
última das coisas, tendem a
atualizar-se, a realizar-se nos vários entes.
As grandes
qualidades que constituem as essências dos entes e, ao mesmo tempo, estão fora
deles são chamadas atributos transcendentais.
Verdade,
beleza e bondade, seriam os três grandes atibutos. Destes, derivam-se valores
como as virtudes da temperança, da paciência e do senso de justiça. A verdade e
a beleza são atributos de todos os entes, já a bondade e a virtude, por
exemplo, são específicos dos seres humanos (dotados de razão) e do Ente
Supremo.
3.4. ÉTICA ARISTOTÉLICA
“Uma andorinha só não faz verão”. (Aristóteles)
Não é a toa
que Aristóteles e muitos de seus contemporâneos consideravam a “temperança” a
maior das virtudes humanas. O “justo meio entre o excesso e a falta” é a maior
das qualidades éticas. Sábio é aquele que: “Suporta os azares da vida com
dignidade e elegância, tirando das circunstâncias o benefício possível (...)
Não é muito amigo de falar (...) Não lhe importa que o louvem, nem que o
censurem.” (Ética, X, 7)
A ética de Aristóteles é o segundo grande modelo de
pensamento ético que nos apresenta a ética antiga.
Considera-se a Ética de Nicômaco o texto que melhor representa o
pensamento ético de Aristóteles.
Com efeito, em sua clássica divisão do saber científico,
Aristóteles identificou três grandes grupos: (1) o saber teorético, (2) o saber
prático e (3) o saber poiético.
As ciências teoréticas
buscam o saber por ele mesmo; visam à contemplação da verdade.
As ciências práticas
buscam o saber para, por meio dele, alcançar a perfeição moral; visam ao bem.
As ciências poiéticas
buscam o saber em vista do fazer; visam ao útil.
A finalidade das ciências teoréticas e poiéticas é a perfeição
do objeto: a ser contemplado em sua verdade no primeiro caso, ou a ser
fabricado em sua utilidade no segundo. Já no caso das ciências práticas, o seu
fim é a perfeição do agente. Ao lado da política, a ética constitui-se numa
ciência prática.
[Aristóteles percebeu que as coisas humanas não obedecem ao
mesmo tipo de racionalidade que está presente na “physis” ou no domínio do supra-sensível (metafísico). E respondeu a
este problema com a definição da ética
como saber prático: ciência do agir humano (“práxis”) em sua orientação para a realização do bem ou do melhor na
vida do indivíduo e da comunidade.]
A ética é uma ciência da
prática porque o seu objeto é a prática (praxis) humana enquanto orientada para o bem; E é também uma ciência prática na medida em que
espera-se que o seu estudo tenha o efeito de tornar bom aquele que se dedica a
ela. [Ou seja: em ética, não se investiga apenas o que é a virtude, mas como
nos tornarmos “felizes” praticando-a.]
Para Aristóteles, em suas ações, o ser humano tende sempre a
determinados fins: os bens. Há fins e bens relativos, que são ainda meios para
outros fins e bens. Há, então, um fim último e um bem supremo visado pelo ser
humano em suas ações: a felicidade ou beatitude (eudaimonia). Mas, o que é a felicidade? “Quais são os verdadeiros
bens da vida humana?”, “E como classificá-los hierarquicamente?” Aristóteles
dirá que os verdadeiros bens da vida humana são os lhe trazem a verdadeira felicidade.
E, dentre eles, o mais perfeito é aquele cuja posse é fonte da felicidade (eudaimonia) mais perfeita.]
Segundo o estagirita, a felicidade não consiste no prazer ou no
gozo sensível, nem na honra, tampouco no acúmulo de riquezas. A felicidade
humana consiste na sua excelência, isto é, na virtude (arete). A virtude humana consiste no pleno desenvolvimento da
atividade que é peculiar ao ser humano: a razão. [Sob este aspecto, Aristóteles
está de acordo com Sócrates e com Platão: a essência do ser humano está na
alma, na parte racional da alma: o espírito. Deste modo, os bens do ser humano
são os bens espirituais: a virtude da alma.] As virtudes humanas são deduzidas
por Aristóteles das partes da alma. A alma divide-se em três partes:
(1) alma vegetativa
(que é irracional), (2) alma sensitiva
ou apetitiva ou concupiscível
(que participa, de certo modo, da razão) e (3) alma intelectiva (que é racional).
Só há virtude onde entra a atividade da razão, isto é, nas
partes sensitiva e intelectiva da alma.
Há, pois, duas espécies de virtudes: As virtudes da alma
sensitiva, chamadas “virtudes éticas”, e as virtudes da alma intelectiva,
chamadas “virtudes dianoéticas”.
As virtudes éticas
(morais ou do caráter) são as virtudes da alma sensitiva. Elas são
adquiridas pelo hábito: a repetição de atos gera a aquisição do hábito
(uma “segunda natureza” ), que, por sua vez, consiste numa facilidade para
praticar os atos da virtude em questão.
[Observe-se que, com a distinção entre virtudes éticas e
dianoéticas, Aristóteles supera o intelectualismo socrático da
“virtude-ciência”: as virtudes éticas não requerem o ensinamento formal, mas
somente o hábito.]
As virtudes éticas consistem numa moderação, isto é, num domínio
das tendências e impulsos da alma sensitiva. Consistem na justa proporção
que a razão impõe a sentimentos, paixões e ações que, sem o controle da razão,
tenderiam para um ou outro extremo: o do excesso ou o da falta.
Uma virtude ética é, pois, a mediania entre dois vícios.
A coragem, por exemplo, é a mediania entre a covardia e a temeridade. Além da
coragem, são virtudes éticas: a temperança, a liberalidade, a magnificência, a
magnanimidade, a equanimidade, a placidez, a amabilidade, a veracidade, a
jovialidade, o pudor e a justiça. Segundo Aristóteles, a justiça é a
principal virtude ética.
As virtudes dianoéticas
(intelectuais ou do entendimento), frutos do ensinamento, são as
virtudes da alma intelectiva.
A alma intelectiva tem duas funções:
(1) uma que conhece as coisas contingentes e variáveis (razão
prática);
(2) outra que conhece as coisas necessárias e imutáveis (razão
teorética).
À razão prática, corresponde a virtude da sabedoria
(phrónesis); à razão teorética,
corresponde a virtude da sapiência (sophia).
As virtudes dianoéticas são superiores às virtudes éticas; e a virtude da sapiência
é a mais elevada das virtudes dianoéticas[8].
[Note-se, por fim, que Aristóteles afastou-se da univocidade do
bem transcendente de Platão, mas admitiu, na pluralidade dos bens introduzidos,
a existência de uma hierarquia, o que implica, afinal, a admissão de um bem
supremo.
A mais alta felicidade ou beatitude humana (“eudaimonia”)
consiste, para Aristóteles, na contemplação do divino, o inteligível
supremo, o primeiro motor imóvel.]
ATIVIDADE:
MÚSICA TECNO, INDIVÍDUO E CULTURA:
UMA LEITURA A PARTIR DA DOUTRINA DO MEIO-TERMO E DO EXCESSO EM ARISTÓTELES[9]
LEIA O TEXTO
ABAIXO.
A partir dos
trechos sublinhados, faça uma releitura do assunto e das idéias nele tratados
com base nas noções de temperança e intemperança conforme refletidas por
Aristóteles.
“O músico
tecno se move o tempo todo. Seu corpo pulsante é parte constitutiva de seu
espetáculo, bem como parece ser o organismo final de quem proporciona prazer ao
outro como profissão e parece obrigado, aprisionado mesmo, a pulsar
sexualmente, em uma repetição sem fim, ali mesmo onde trabalha.
Haveria assim
uma subterrânea correspondência entre o corpo auto-erótico do músico tecno e o
corpo da prostituta: ela foi a prisioneira do prazer na época em que a
humanidade encarnou o próprio corpo, o músico tecno, como ela, é obrigado a se
contorcer e a gozar em falso, no tempo em que a experiência humana é puro corpo
ou pura técnica, ambos desencarnados de humanidade. Como todos sabemos, a
mercadoria perdeu a forma concreta e se evaporou como fantasma por toda
cultura. Os novos músicos parecem ser as sacerdotizas eróticas dessa desmaterialização.
Tal
condenação ao prazer e ao próprio corpo aproxima nitidamente esses artistas da cultura
hipersexualizada de nosso tempo. Eles também são objetos de nossa espetacular
erotização das mediações sociais. O músico tecno e sua tribo de jovens
hipererotizados e sem destino dissolvem a intensa cultura da pornografia de
consumo – da fusão de mercadoria e corpo erógeno – em um estado alegre e
festivo, inofensivo a qualquer ordem, ao mesmo tempo em que são docilmente
coerentes com as formas mais pobres e duras da captura de nossos espíritos”.
Fonte: AB’
SÁBER, Tales A. “Morra, Lola, morra”, in Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Mais”, 3 de junho de 2001, p. 12-14.
4. O HELENISMO E O FIM DA FILOSOFIA
PAGÃ
“É vão o discurso do filósofo que não
cure algum mal do espírito humano”. (Epicuro)
No final da
antiguidade pagã surgiu um novo período denomindao Helenismo. Trata-se do
predomínio da cultura grega nos reinos da Macedônia, Síria e Egito após as
conquistas de Alexandre Magno.
A ética se
transforma no projeto filosófico mais importante. O problema central era saber
como alcançar a verdadeira felicidade. Dentre as principais correntes
filosóficas do Helenismo temos os Epicuristas, os Estoicos e os Cínicos.
4.1.
EPICURO (341 – 270 A .C.)
E O PRAZER COMO FUNDAMENTO DA FELICIDADE
“Que ninguém se hesite em se dedicar
à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque
ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do
espírito. Quem afirma que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou, é
como se dissesse que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz”. (Epicuro)
Epicuro
fundamenta sua ética no prazer. Pois, o prazer é o nosso bem primeiro e inato.
Desde o nascimento buscamos o prazer e evitamos a dor. Para Epicuro, prazer é a
ausência de dor no corpo e ausência de perturbação na alma.
Embora, o
prazer seja o nosso maior bem, nem por isso escolhemos qualquer prazer. Por
exemplo, o prazer de fumar pode provocar uma dor maior: um câncer. Por isso,
evitamos o prazer de fumar para evitar uma dor maior. Para escolhermos o
verdadeiro prazer precisamos fazer uso da prudência, a virtude suprema: “Há
ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais
das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos
preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas
dores”[10].
4.1.1. OS TIPOS DE DESEJOS
Desejos naturais e necessários: são
necessários para conservar a vida, como, comer quando se tem fome, beber quando
se tem sede ou dormir quando se tem sono. Estes, deve-se sempre satisfazê-los.
Desejos naturais e não necessários: estes são
naturais ao ser humano, mas a satisfação deles não é necessária para a
conservação da vida. Por exemplo, o desejo sexual, o desejo de comidas
saborosas ou o desejo de vestir roupas suntuosas. Com estes deve-se ter
cuidado.
Desejos não naturais e não necessários: deve-se fugir
destes desejos, pois, são a causa de todos os males. Quanto mais tentamos
saciá-los, mais desejamos, pois são insaciáveis. Por exemplo, o desejo de
honra, poder e riqueza. Estes desejos são a causa de todo sofrimento e
tormento.
4.1.2. OS QUATRO REMÉDIOS
Para Epicuro, o
remédio que vai curar o ser humano dos males que o aflige é a filosofia.
Epicuro apresenta os quatro remédios que possibilitará ao ser humano ter uma
vida serena e prazerosa.
Encontramos em Epicuro
uma proposta de busca de felicidade baseada na razão e no prazer, fundamentada
no conhecimento filosófico. A Grécia de Epicuro está doente. Epicuro mostra a
cura através de um projeto interior, capaz de suportar tanto a doença física,
quanto aos males que acometiam a Grécia dominada por Alexandre Magno. Epicuro
apresenta a imperturbabilidade e a serenidade diante das adversidades.
O objetivo de Epicuro
é manter acesa a sabedoria, principalmente através da amizade que se cria através
de diálogos verdadeiros e uma convivência harmoniosa. “A ética epicurista
preconiza o recolhimento do sábio e a concentração da vida comunitária num
círculo de amigos escolhidos. Num mundo em que as palavras pátria e cidadania já não
mais possuíam correlato objetivo (...) a amizade torna-se um vínculo
comunitário essencial”[11].
Para Epicuro, é
perfeitamente possível ser sereno e feliz em momentos de extrema adversidade.
Basta usar o remédio certo, que é a filosofia. Essa visão nos remete a uma
atividade curativa e libertadora da filosofia.
Não se deve temer aos
deuses: Significa eliminar da
vida humana temores e superstições. Os deuses de Epicuro não intrometem na vida
do ser humano, vivem a felicidade suprema, sem necessidade de julgar, condenar
ou absolver, por isso, não devem ser temidos. Devem sim ser imitados em sua
sabedoria e em sua serenidade, sem qualquer tipo de angústia ou temor.
Não se deve temer à
morte: Significa que não se
deve temer o que não está presente. Pois a morte, para Epicuro, é a
"privação da sensibilidade", o que significa que não podemos
senti-la. Sofrer ao esperá-la constitui um erro e a perda da serenidade. Pois,
enquanto estamos vivos, a morte não está presente, e quando a morte chegar, nós
já não estaremos presentes.
Pode-se alcançar a
felicidade: Significa que o ser
humano tem a vocação para uma vida feliz. Não se deve privar dessa
possibilidade pelas doenças do corpo ou da alma. “Não sofrer no corpo, não ter
a alma perturbada – eis a fórmula epicurista da felicidade”. É preciso
transformar a vida em
felicidade. E a felicidade está exatamente no prazer e na
serenidade da alma.
Pode-se suportar a dor: Se a dor for fraca,
logo passa. Se for forte, logo leva à morte, e como se viu, a morte não é nada.
3. ARISTÓTELES (384 – 322 A .C.) – METAFÍSICA COMO
FILOSOFIA PRIMEIRA
“Não se deve dar
ouvidos àqueles que aconselham ao homem, por ser mortal, que se limite a pensar
coisas humanas e mortais; ao contrário, porém, à medida do possível, precisamos
nos comportar como imortais e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre
em nós”. (Aristóteles)
Aristóteles de
Estagira
(384-322 a .C.)
Na juventude foi discípulo de Platão. Em 343,
Filipe, rei da Macedônia o responsabiliza pela educação de Alexandre. Consegue agrupar e sistematizar praticamente
todo o saber existente em sua época; suas contribuições para as ciências e as
filosofias permanecem na atualidade. A ele são atribuídos inúmeros escritos sobre
ética, política, zoologia, cosmologia, botânica, lógica e sobre a “filosofia do
ser enquanto ser” ou “filosofia primeira”, mais tarde chamada metafísica.
3.1. UMA TEORIA QUE EXPLICA TUDO O
QUE EXISTE
O objetivo de
Aristóteles era conceber um conjunto de idéias bem fundamentadas que desse
conta de explicar toda a realidade. Depois dele, muitos filósofos
tentaram o mesmo. Estas filosofias são chamadas de sistemas e seus
autores de filósofos sistemáticos.
Hoje duvida-se que esta tarefa seja
possível ou desejável. De qualquer forma, podemos imaginar o que restaria para
nós, humanos, habitantes de um pequeno planeta azul-esverdeado, se pensássemos saber tudo
sobre tudo ou, talvez, se, de fato, soubéssemos tudo o que há para saber
sobre tudo.
Para Aristóteles,
o movimento e as relações dos entes no Cosmo são explicadas por três idéias
básicas, intimamente ligadas entre si:
1) a teoria
do ato-potência;
4)
a teoria das quatro causas;
5)
a teoria dos atributos trancendentais dos entes.
A ciência do
“ser enquanto ser” (Filosofia Primeira, Ontologia ou Metafísica) afirma que
tudo no Universo caminha para tornar-se o que realmente pode e deve ser. Assim, um óvulo humano fecundado, necessariamente,
se tudo correr bem no processo de gestação, dará origem a uma criança humana.
De uma semente de maçã jamais nascerá uma laranjeira. A semente de maçã é
potencialmente um “pé” de maçã. Este, por sua natureza específica, é
potencilamente um ente que tende a realizar sua “missão natural”: originar
várias maçãs.
Em linguagem
aristotélica ...
●
semente de maçã
|
● maçã
|
Maçã em
possibilidade (potência em relação ao ente maçã)
|
Ente
realizado (ato) a partir do ente-potência (semente)
|
Maçãs,
árvores, minerais, seres humanos, etc...têm potencialidades a realizar de
acordo com suas respectivas naturezas. O que é possível aos entes é determinado
por sua especificidade, por seu modo-de-
ser- no-mundo.
3.2. AS QUATRO CAUSAS
Para explicar
a teoria das quatro causas é comum utilizar-se o exemplo que o próprio
Aristóteles criou: a confecção de uma estátua.
Sua matéria,
o mármore, é sua causa material. Sua
forma, a imagem que ela representa é sua causa
formal. O escultor que a fez é o princípio do movimento que lhe deu a
forma, é sua causa eficiente. Por
último, o objetivo, a finalidade do escultor é sua causa final.
A matéria não
tem muita importância pois é acidental ou contingente. Isto é, se em vez de
mármore, o material fosse a argila, a estátua continuaria sendo estátua. A
forma final da estátua é a transformação de uma possibilidade (potência) em
realidade (ato). Assim, tanto mais útil e bela será uma obra, quanto mais
próxima da perfeição formal ela ficar. A causa eficiente se aproxima de duas
noções: técnica e movimento (ação). Ela
é instrumento, é meio pelo qual as potências se tornam ato.
As quatro causas explicam toda
a realidade e não apenas as obras humanas. Há uma certa hierarquia entre elas:
os princípios ordenadores do cosmos podem ser relacionados à causa final; ela
aponta o fim último do Universo, os objetivos maiores para os quais os entes caminham. Assim,
também, cada ser atua como causa eficiente e como causa final sobre os seres
que lhe são inferiores.
Numa linha ascendente poderíamos situar: os minerais, as
plantas, os animais não racionais, os
seres humanos (animais racionais) e...
por fim, Deus, aquele que é forma pura,
pensamento perfeito, primeiro motor imóvel, ato puro.
3.3. TUDO CAMINHA PARA O BEM
As essências
dos entes são transcendentais. Suas finalidades estão além deles mesmos
enquanto ato. Complicado? Voltemos então para a maçã. A essência da maçã é
aquilo que a caracteriza, que faz dela uma maçã e não outra coisa qualquer, é
sua “verdade”. Não é a maçã que define o que ela quer ser. Pois essa definição, essa verdade, já está prevista.
A maçã tende a realizar toda a sua potencialidade. Tende a realizar sua maçaneidade.
É essa a finalidade última do ser maçã; ser exatamente ela mesma.
Assim,
segundo Aristóteles, as qualidades próprias à ordem do Universo, à natureza
última das coisas, tendem a
atualizar-se, a realizar-se nos vários entes.
As grandes
qualidades que constituem as essências dos entes e, ao mesmo tempo, estão fora
deles são chamadas atributos transcendentais.
Verdade,
beleza e bondade, seriam os três grandes atibutos. Destes, derivam-se valores
como as virtudes da temperança, da paciência e do senso de justiça. A verdade e
a beleza são atributos de todos os entes, já a bondade e a virtude, por
exemplo, são específicos dos seres humanos (dotados de razão) e do Ente
Supremo.
3.4. ÉTICA ARISTOTÉLICA
“Uma andorinha só não faz verão”. (Aristóteles)
Não é a toa
que Aristóteles e muitos de seus contemporâneos consideravam a “temperança” a
maior das virtudes humanas. O “justo meio entre o excesso e a falta” é a maior
das qualidades éticas. Sábio é aquele que: “Suporta os azares da vida com
dignidade e elegância, tirando das circunstâncias o benefício possível (...)
Não é muito amigo de falar (...) Não lhe importa que o louvem, nem que o
censurem.” (Ética, X, 7)
A ética de Aristóteles é o segundo grande modelo de
pensamento ético que nos apresenta a ética antiga.
Considera-se a Ética de Nicômaco o texto que melhor representa o
pensamento ético de Aristóteles.
Com efeito, em sua clássica divisão do saber científico,
Aristóteles identificou três grandes grupos: (1) o saber teorético, (2) o saber
prático e (3) o saber poiético.
As ciências teoréticas
buscam o saber por ele mesmo; visam à contemplação da verdade.
As ciências práticas
buscam o saber para, por meio dele, alcançar a perfeição moral; visam ao bem.
As ciências poiéticas
buscam o saber em vista do fazer; visam ao útil.
A finalidade das ciências teoréticas e poiéticas é a perfeição
do objeto: a ser contemplado em sua verdade no primeiro caso, ou a ser
fabricado em sua utilidade no segundo. Já no caso das ciências práticas, o seu
fim é a perfeição do agente. Ao lado da política, a ética constitui-se numa
ciência prática.
[Aristóteles percebeu que as coisas humanas não obedecem ao
mesmo tipo de racionalidade que está presente na “physis” ou no domínio do supra-sensível (metafísico). E respondeu a
este problema com a definição da ética
como saber prático: ciência do agir humano (“práxis”) em sua orientação para a realização do bem ou do melhor na
vida do indivíduo e da comunidade.]
A ética é uma ciência da
prática porque o seu objeto é a prática (praxis) humana enquanto orientada para o bem; E é também uma ciência prática na medida em que
espera-se que o seu estudo tenha o efeito de tornar bom aquele que se dedica a
ela. [Ou seja: em ética, não se investiga apenas o que é a virtude, mas como
nos tornarmos “felizes” praticando-a.]
Para Aristóteles, em suas ações, o ser humano tende sempre a
determinados fins: os bens. Há fins e bens relativos, que são ainda meios para
outros fins e bens. Há, então, um fim último e um bem supremo visado pelo ser
humano em suas ações: a felicidade ou beatitude (eudaimonia). Mas, o que é a felicidade? “Quais são os verdadeiros
bens da vida humana?”, “E como classificá-los hierarquicamente?” Aristóteles
dirá que os verdadeiros bens da vida humana são os lhe trazem a verdadeira felicidade.
E, dentre eles, o mais perfeito é aquele cuja posse é fonte da felicidade (eudaimonia) mais perfeita.]
Segundo o estagirita, a felicidade não consiste no prazer ou no
gozo sensível, nem na honra, tampouco no acúmulo de riquezas. A felicidade
humana consiste na sua excelência, isto é, na virtude (arete). A virtude humana consiste no pleno desenvolvimento da
atividade que é peculiar ao ser humano: a razão. [Sob este aspecto, Aristóteles
está de acordo com Sócrates e com Platão: a essência do ser humano está na
alma, na parte racional da alma: o espírito. Deste modo, os bens do ser humano
são os bens espirituais: a virtude da alma.] As virtudes humanas são deduzidas
por Aristóteles das partes da alma. A alma divide-se em três partes:
(1) alma vegetativa
(que é irracional), (2) alma sensitiva
ou apetitiva ou concupiscível
(que participa, de certo modo, da razão) e (3) alma intelectiva (que é racional).
Só há virtude onde entra a atividade da razão, isto é, nas
partes sensitiva e intelectiva da alma.
Há, pois, duas espécies de virtudes: As virtudes da alma
sensitiva, chamadas “virtudes éticas”, e as virtudes da alma intelectiva,
chamadas “virtudes dianoéticas”.
As virtudes éticas
(morais ou do caráter) são as virtudes da alma sensitiva. Elas são
adquiridas pelo hábito: a repetição de atos gera a aquisição do hábito
(uma “segunda natureza” ), que, por sua vez, consiste numa facilidade para
praticar os atos da virtude em questão.
[Observe-se que, com a distinção entre virtudes éticas e
dianoéticas, Aristóteles supera o intelectualismo socrático da
“virtude-ciência”: as virtudes éticas não requerem o ensinamento formal, mas
somente o hábito.]
As virtudes éticas consistem numa moderação, isto é, num domínio
das tendências e impulsos da alma sensitiva. Consistem na justa proporção
que a razão impõe a sentimentos, paixões e ações que, sem o controle da razão,
tenderiam para um ou outro extremo: o do excesso ou o da falta.
Uma virtude ética é, pois, a mediania entre dois vícios.
A coragem, por exemplo, é a mediania entre a covardia e a temeridade. Além da
coragem, são virtudes éticas: a temperança, a liberalidade, a magnificência, a
magnanimidade, a equanimidade, a placidez, a amabilidade, a veracidade, a
jovialidade, o pudor e a justiça. Segundo Aristóteles, a justiça é a
principal virtude ética.
As virtudes dianoéticas
(intelectuais ou do entendimento), frutos do ensinamento, são as
virtudes da alma intelectiva.
A alma intelectiva tem duas funções:
(1) uma que conhece as coisas contingentes e variáveis (razão
prática);
(2) outra que conhece as coisas necessárias e imutáveis (razão
teorética).
À razão prática, corresponde a virtude da sabedoria
(phrónesis); à razão teorética,
corresponde a virtude da sapiência (sophia).
As virtudes dianoéticas são superiores às virtudes éticas; e a virtude da sapiência
é a mais elevada das virtudes dianoéticas[12].
[Note-se, por fim, que Aristóteles afastou-se da univocidade do
bem transcendente de Platão, mas admitiu, na pluralidade dos bens introduzidos,
a existência de uma hierarquia, o que implica, afinal, a admissão de um bem
supremo.
A mais alta felicidade ou beatitude humana (“eudaimonia”)
consiste, para Aristóteles, na contemplação do divino, o inteligível
supremo, o primeiro motor imóvel.]
ATIVIDADE:
MÚSICA TECNO, INDIVÍDUO E CULTURA:
UMA LEITURA A PARTIR DA DOUTRINA DO MEIO-TERMO E DO EXCESSO EM ARISTÓTELES[13]
LEIA O TEXTO
ABAIXO.
A partir dos
trechos sublinhados, faça uma releitura do assunto e das idéias nele tratados
com base nas noções de temperança e intemperança conforme refletidas por
Aristóteles.
“O músico
tecno se move o tempo todo. Seu corpo pulsante é parte constitutiva de seu
espetáculo, bem como parece ser o organismo final de quem proporciona prazer ao
outro como profissão e parece obrigado, aprisionado mesmo, a pulsar
sexualmente, em uma repetição sem fim, ali mesmo onde trabalha.
Haveria assim
uma subterrânea correspondência entre o corpo auto-erótico do músico tecno e o
corpo da prostituta: ela foi a prisioneira do prazer na época em que a
humanidade encarnou o próprio corpo, o músico tecno, como ela, é obrigado a se
contorcer e a gozar em falso, no tempo em que a experiência humana é puro corpo
ou pura técnica, ambos desencarnados de humanidade. Como todos sabemos, a
mercadoria perdeu a forma concreta e se evaporou como fantasma por toda
cultura. Os novos músicos parecem ser as sacerdotizas eróticas dessa desmaterialização.
Tal
condenação ao prazer e ao próprio corpo aproxima nitidamente esses artistas da cultura
hipersexualizada de nosso tempo. Eles também são objetos de nossa espetacular
erotização das mediações sociais. O músico tecno e sua tribo de jovens
hipererotizados e sem destino dissolvem a intensa cultura da pornografia de
consumo – da fusão de mercadoria e corpo erógeno – em um estado alegre e
festivo, inofensivo a qualquer ordem, ao mesmo tempo em que são docilmente
coerentes com as formas mais pobres e duras da captura de nossos espíritos”.
Fonte: AB’
SÁBER, Tales A. “Morra, Lola, morra”, in Jornal Folha de S. Paulo, Caderno Mais”, 3 de junho de 2001, p. 12-14.
4. O HELENISMO E O FIM DA FILOSOFIA
PAGÃ
“É vão o discurso do filósofo que não
cure algum mal do espírito humano”. (Epicuro)
No final da
antiguidade pagã surgiu um novo período denomindao Helenismo. Trata-se do
predomínio da cultura grega nos reinos da Macedônia, Síria e Egito após as
conquistas de Alexandre Magno.
A ética se
transforma no projeto filosófico mais importante. O problema central era saber
como alcançar a verdadeira felicidade. Dentre as principais correntes
filosóficas do Helenismo temos os Epicuristas, os Estoicos e os Cínicos.
4.1.
EPICURO (341 – 270 A .C.)
E O PRAZER COMO FUNDAMENTO DA FELICIDADE
“Que ninguém se hesite em se dedicar
à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque
ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do
espírito. Quem afirma que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou, é
como se dissesse que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz”. (Epicuro)
Epicuro
fundamenta sua ética no prazer. Pois, o prazer é o nosso bem primeiro e inato.
Desde o nascimento buscamos o prazer e evitamos a dor. Para Epicuro, prazer é a
ausência de dor no corpo e ausência de perturbação na alma.
Embora, o
prazer seja o nosso maior bem, nem por isso escolhemos qualquer prazer. Por
exemplo, o prazer de fumar pode provocar uma dor maior: um câncer. Por isso,
evitamos o prazer de fumar para evitar uma dor maior. Para escolhermos o
verdadeiro prazer precisamos fazer uso da prudência, a virtude suprema: “Há
ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais
das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos
preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas
dores”[14].
4.1.1. OS TIPOS DE DESEJOS
Desejos naturais e necessários: são
necessários para conservar a vida, como, comer quando se tem fome, beber quando
se tem sede ou dormir quando se tem sono. Estes, deve-se sempre satisfazê-los.
Desejos naturais e não necessários: estes são
naturais ao ser humano, mas a satisfação deles não é necessária para a
conservação da vida. Por exemplo, o desejo sexual, o desejo de comidas
saborosas ou o desejo de vestir roupas suntuosas. Com estes deve-se ter
cuidado.
Desejos não naturais e não necessários: deve-se fugir
destes desejos, pois, são a causa de todos os males. Quanto mais tentamos
saciá-los, mais desejamos, pois são insaciáveis. Por exemplo, o desejo de
honra, poder e riqueza. Estes desejos são a causa de todo sofrimento e
tormento.
4.1.2. OS QUATRO REMÉDIOS
Para Epicuro, o
remédio que vai curar o ser humano dos males que o aflige é a filosofia.
Epicuro apresenta os quatro remédios que possibilitará ao ser humano ter uma
vida serena e prazerosa.
Encontramos em Epicuro
uma proposta de busca de felicidade baseada na razão e no prazer, fundamentada
no conhecimento filosófico. A Grécia de Epicuro está doente. Epicuro mostra a
cura através de um projeto interior, capaz de suportar tanto a doença física,
quanto aos males que acometiam a Grécia dominada por Alexandre Magno. Epicuro
apresenta a imperturbabilidade e a serenidade diante das adversidades.
O objetivo de Epicuro
é manter acesa a sabedoria, principalmente através da amizade que se cria através
de diálogos verdadeiros e uma convivência harmoniosa. “A ética epicurista
preconiza o recolhimento do sábio e a concentração da vida comunitária num
círculo de amigos escolhidos. Num mundo em que as palavras pátria e cidadania já não
mais possuíam correlato objetivo (...) a amizade torna-se um vínculo
comunitário essencial”[15].
Para Epicuro, é
perfeitamente possível ser sereno e feliz em momentos de extrema adversidade.
Basta usar o remédio certo, que é a filosofia. Essa visão nos remete a uma
atividade curativa e libertadora da filosofia.
Não se deve temer aos
deuses: Significa eliminar da
vida humana temores e superstições. Os deuses de Epicuro não intrometem na vida
do ser humano, vivem a felicidade suprema, sem necessidade de julgar, condenar
ou absolver, por isso, não devem ser temidos. Devem sim ser imitados em sua
sabedoria e em sua serenidade, sem qualquer tipo de angústia ou temor.
Não se deve temer à
morte: Significa que não se
deve temer o que não está presente. Pois a morte, para Epicuro, é a
"privação da sensibilidade", o que significa que não podemos
senti-la. Sofrer ao esperá-la constitui um erro e a perda da serenidade. Pois,
enquanto estamos vivos, a morte não está presente, e quando a morte chegar, nós
já não estaremos presentes.
Pode-se alcançar a
felicidade: Significa que o ser
humano tem a vocação para uma vida feliz. Não se deve privar dessa
possibilidade pelas doenças do corpo ou da alma. “Não sofrer no corpo, não ter
a alma perturbada – eis a fórmula epicurista da felicidade”. É preciso
transformar a vida em
felicidade. E a felicidade está exatamente no prazer e na
serenidade da alma.
Pode-se suportar a
dor: Se a dor for fraca,
logo passa. Se for forte, logo leva à morte, e como se viu, a morte não é nada.
ATIVIDADES:
1. CORPO, SEXO E HEDONISMO[16]
O texto abaixo é um
trecho da entrevista concedida pelo psiquiatra e psicanalista Jurandir Freire
Costa ao jornal Correio Brasiliense,
publicada em 13/3/2002. Quando indagado pelo jornalista sobre como chegarmos ao
estágio atual de exibicionismo e de consumo do corpo e do sexo, respondeu:
“No início da
hegemonia capitalista no Ocidente, a adesão aos valores hegemônicos era imposta
em nome do trabalho, da ética religiosa, da tradição familiar, do amor à pátria
etc. Quanto mais disciplinados e reprimidos fôssemos no corpo e na alma,
melhores trabalhadores, pais de família, religiosos e cidadãos seríamos. Hoje
nos pedem que esqueçamos tudo isso. Não existe
trabalho para todos, a família foi posta de lado, a idéia de pátria ou
nação se tornou arcaica e obsoleta. Restou a competição feroz, a indiferença em
relação aos miseráveis, a exploração cruel dos que ainda trabalham, a violência
urbana, a epidemia de drogadições, a degradação do meio ambiente e outras
tragédias que todos conhecemos. Como, então, seduzir, conquistar, convencer os
indivíduos que, mesmo com tudo isso, esse sistema em que vivemos é melhor, o
mais avançado, o mais moderno, o mais desejável? A solução foi persuadir os
indivíduos que nesse sistema temos possibilidade de ter mais prazer, mais
excitação, mais êxtases cotidianos do que em qualquer outro conhecido! O sexo
passou, assim, a ser uma espécie de vitrine dourada fabricada para ocultar a
sarjeta moral que temos diante dos nossos olhos e narizes.”
Fonte: PAIVA, Anabela.
“Rodízio de chuchu: entrevista com Jurandir Freire Costa” in: Correio Brasiliense, Brasília, 16 de
março de 2002 A
íntegra da entrevista encontra-se disponível em
a) Qual o tipo de persuasão de que nos fala o texto?
b) Escreva um
comentário estabelecendo aproximações ou distanciamento entre o culto do corpo e do sexo do qual nos
fala o psicanalista e o significado do hedonismo para o epicurismo.
2. LETRA DE MÚSICA E OS TIPOS DE DESEJOS EM EPICURO[17]
Leia a letra da
música.
Ai que saudades da Amélia
“Eu nunca vi tanta
exigência
E nem fazer o que você
me faz.
Você não sabe o que é
consciência
Não vê que eu sou um
pobre rapaz.
Você só pensa em luxo
e riqueza
Tudo o que você vê
você quer.
Ah, meu Deus, que
saudades da Amélia!
Aquilo sim é que era
mulher.
Às vezes passava fome
ao meu lado
E achava bonito não
ter o que comer.
E quando me via
contrariado
Dizia, meu filho, o
que se há de fazer?
Amélia não tinha a
menor vaidade
Amélia que era mulher
de verdade”.
(letra de Mário Lago e
música de Ataulfo Alves)
Interprete a
representação feita pelo poeta sobre as duas mulheres com base na distinção
traçada por Epicuro entre os três tipos de desejos: naturais e necessários (por
ex., fome, sede, sono); naturais e não necessários (por ex., comer bem ou
demais, exceder-se nas práticas sexuais); e não naturais e não necessários
(ambição, riqueza, beleza, sucesso, glória, poder, entre outros).
III.
FILOSOFIA MEDIEVAL
1. O
SURGIMENTO DA FILOSOFIA CRISTÃ – QUESTÃO CENTRAL: DEUS
“Creio para compreender e compreendo para crer”. (Agostinho)
Com o surgimento do
Cristianismo no início da nossa era, pouco a pouco, o Cristianismo se infiltrou
no mundo greco-romano. Isso significou o encontro de dois universos culturais.
O Cristianismo se
expandiu e os escritos filosóficos chegaram aos cristãos. Além disso, com o
infiltramento da cultura grega entre os cristãos, estes foram influenciados
pelos pensamentos dos filósofos. A partir daí até o fim da Idade Média, tudo o
que se produziu de filosofia foi pelos cristãos. Temos nesta época a Filosofia
Cristã. Os principais filósofos cristãos foram Agostinho (354 – 430) e Tomás de
Aquino (1225 – 1274).
O problema central da
Filosofia Cristã é Deus. Por isso, temos muitas Provas da Existência de Deus.
Os filósofos cristãos mostram, através de argumentos lógicos, que Deus existe.
Trata-se de um “casamento” entre fé e
razão.
2.
AGOSTINHO E O PROBLEMA DO MAL
“Criaste-nos para Vós e inquieto está o nosso coração
enquanto não repousa em Vós”. (Agostinho)
Segundo Agostinho,
apesar de a humanidade ter sido amaldiçoada com o pecado original, alguns
alcançarão a salvação. Isso dependeria de como as pessoas utilizariam o
livre-arbítrio, ou seja, a faculdade inata que possuem de determinar, de acordo
com sua razão, a sua conduta. Isso nos remete ao problema do mal. Na concepção
de Agostinho, “Se tudo provém de Deus, que é o Bem, de onde vem o mal?”
Deus não pode ser a
causa do mal, porque é o Sumo Bem. A matéria não pode causar o mal, porque foi criada
por Deus. Portanto, o mal deve ser contrário da idéia de Deus como aquele que é, ou seja, o contrário da
idéia de ser (o não ser, ou privação de ser).
Se for não ser não tem substância, é
apenas ausência de bem.
Outro problema
abordado por Agostinho é o livre-arbítrio. O ser humano é dotado de
livre-arbítrio, isto é, a possibilidade de escolher entre um bem maior e bem
menor, entre o bem e o mal, entre um mal maior e um mal menor. Antes do pecado
original, o ser humano era livre e tendia naturalmente para o bem. A vontade
pode afastar o ser humano de Deus, quando as pessoas escolhem erroneamente. E
afastar-se de Deus significa justamente ir para a “privação de ser”, ou seja,
caminhar para o mal. Eis aí o pecado, que deriva do ser humano.
Agostinho nega a
realidade metafísica do mal. O mal não é ser, mas privação de ser, assim como a
obscuridade é ausência de luz. A causa do mal não é Deus. Sendo o mal a
privação de uma perfeição, Deus não pode ser o seu autor, pois, ele é a origem
única de todo bem.
Então, a causa do mal
é a criatura, quando a má vontade tende aos bens criados. Há duas formas sob as
quais o mal se manifesta: o sofrimento e a culpa. A culpa consiste em submeter
a razão humana à paixão, em desobedecer as leis divinas, em afastar-se do Bem
Supremo. Isto é o mal.
O mal moral provém da
paixão interior, a qual pode ser denominada concupiscência, que leva ao abuso
do livre-arbítrio, que dá origem ao mal. Quanto ao mal físico, como doenças,
sofrimento e morte, é a conseqüência do pecado original, ou seja, é
conseqüência do mal moral.
IV.FILOSOFIA
MODERNA
1.
PROBLEMA CENTRAL: O CONHECIMENTO
“Conhece-te a ti mesmo, ó linhagem divina vestida de
trajes mortais”. (Marsílio Ficino)
Nos séculos XV e XVI
surgiram mudanças e transformações que levaram ao fim da Idade Média. Essas
transformações foram chamadas de Renascimento. Que faz renascer o humanismo da
Antigüidade clássica. Houve uma crise entre fé
e razão. Por exemplo,
descobriu-se que através a razão era possível provar tanto a existência de Deus,
quanto a inexistência de Deus. Concluiu-se que a razão não é uma faculdade
segura para tratar de questões da fé. Com isso houve o “divórcio” entre razão e
fé, entre filosofia e teologia.
A partir daí houve
considerável avanço tecnológico, que deu origem à ciência moderna. O que levou
a uma ruptura entre ciência e filosofia. As questões relacionadas à natureza e
ao universo passaram a ser questões científicas e não mais questões
filosóficas. Nesta época surgiram grandes nomes da ciência, como Copérnico, Galileu,
Kepler e Newton.
Na filosofia, o
problema central passa a ser o Conhecimento.
Surge, assim, duas grandes correntes filosóficas: o racionalismo e o empirismo.
Para os racionalistas, a razão é o único meio seguro de se chegar ao
conhecimento. Os empiristas, ao contrário, vêem na experiência sensível o único
meio de se chegar ao conhecimento. Para os empiristas, quando nascemos somos
tábulas rasas e só conhecemos o que passa por nossos sentidos. Por exemplo, só
quando alguém queima as mãos ao tocar o fogo, é que tal pessoa aprende que o
fogo queima.
Usualmente estabelece
o início da Filosofia Moderna no final do século XVI e seu fim nos meados do
século XIX. Nesta época, destaca-se crescente tendência a fazer da razão não
apenas o “tribunal supremo”, como também a característica peculiar do ser
humano.
Dentro do pensamento
filosófico moderno, o conhecimento racional converte-se freqüentemente em um
fim em si mesmo.
2. RENÉ
DESCARTES (1596 – 1650)
“Penso, logo existo”. (Descartes)
René Descartes foi um
racionalista e é o fundador da Filosofia Moderna. O primeiro problema, que
preocupou o filósofo, foi saber se os nossos conhecimentos são seguros.
Descartes apresenta regras fáceis que levem ao conhecimento verdadeiro de tudo
que se é capaz de conhecer. Para isso, o problema deve ser analisado partindo
dos aspectos mais simples até chegar aos mais difíceis. Através da razão
Descartes pretendia provar verdades filosóficas, já que os sentidos não são
confiáveis. Os sentidos possibilitam uma certa apreensão do real, mas, às
vezes, eles nos enganam. Sendo assim, eles não são fundamento seguro para o
conhecimento. Por exemplo, quando estamos sonhando pensamos que é real, mas
quando acordamos percebemos que todas aquelas sensações não passavam de um
sonho. Quem nos garante que agora também não estamos sonhando? E se esse mundo
não passar de um sonho? Por isso, ao iniciar uma reflexão filosófica, devemos
duvidar de tudo, principalmente de nossos sentidos. Descartes chegou a
conclusão de que a única certeza era que duvidava de tudo. Se duvidava de tudo,
significava que ele pensava, se ele pensava, ele era um ser pensante. Ou seja,
Descartes chegou a seguinte conclusão: “Penso, logo existo”. Com este método,
Descartes conclui que existem duas formas de realidade: pensamento e extensão.
O ser humano, portanto, seria composto de corpo e alma.
Para Descartes, a
razão é a única faculdade capaz de levar a um conhecimento da realidade em sua
totalidade. Isto porque o ser humano possui idéias inatas.
3. HUME
(1711 – 1776)
Hume foi um empirista.
O empirismo é uma corrente filosófica que nega as idéias inatas. E defende que
todo o nosso conhecimento sobre o mundo nos vem pela percepção sensível.
Hume constata que o
ser humano possui impressões e idéias. Impressão é a percepção imediata
da realidade exterior, e a idéia é a lembrança de tal impressão. A diferença
entre elas é que a impressão é forte e a idéia é fraca. Por exemplo, quando
alguém se queima, experimenta uma impressão imediata, que é forte. Quando esta
pessoa se lembra de ter queimado, a sensação que sente é apenas uma recordação,
a sensação é fraca.
Às vezes, formamos
idéias e noções complexas, para as quais não existem correspondentes com a
realidade material. Dessa forma, surgem noções falsas sobre coisas que não
existem, por exemplo, o cavalo alado. Hume pretende estudar cada noção e cada
idéia para verificar se há correlato com a realidade.
4. KANT
(1724 – 1804) E O DEVER MORAL
“O céu
estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”. (Kant)
Kant
realiza um novo exame a fundo da subjetividade. Par ele o que determina o
conhecimento não são as coisas, mas as condições de possibilidade da
experiência que são dadas no sujeito (a
priori).
Kant
investiga criticamente a razão,
mediante a própria razão, com respeito à possibilidade
do conhecimento do ser. A razão encontra que não são as coisas que determinam o conhecimento, mas as coisas são determinadas pelas condições de
possibilidade da experiência, que são dadas no sujeito. Segue-se
(conseqüências):
* O ser humano só conhece o fenômeno
e nunca a coisa em si
(incognoscível) - intuição;
* as categorias são
princípios constitutivos do conhecimento: validade e utilização delas é
limitada ao material sensível - entendimento;
* os conceitos ou idéias que superam esta ligação de
categorias com o dado da intuição tem uma função meramente reguladora - razão.
O conhecimento está
necessariamente referido à experiência. Deus e alma são idéias, uma construção
necessária da razão enquanto poder racional de totalidade, à qual não
corresponde uma existência concreta. Ora, sendo que o conhecimento só é
possível pela aplicação das categorias aos objetos sensíveis, e não tendo estas
idéias uma existência real (sensível), é impossível conhecê-las teoricamente.
Mas é possível pensá-las no âmbito da moralidade.
4.1. CONTRADIÇÃO DA
RAZÃO
Quando a razão se
ocupa só de seus conceitos, sem referência à experiência, acaba caindo em contradição. Porque ,
por um lado, ela exige chegar a um ser supremo que explique todos os seres
finitos (Deus); por outro lado, a razão não pode conhecê-lo porque o
conhecimento está referido necessariamente a experiência (onde Deus não entra).
A razão tem a idéia de Deus e da alma e precisa dela como princípio regulativo
do todo. Porém, a razão não se contenta com a idéia de Deus, introduzindo Nele
a pergunta pela sua origem, assim, vai ao infinito. Deste modo, se por um lado,
não pode ficar satisfeita com ele (porque sempre transcendo), então, mostra-se
que ela cai num abismo, diante do qual tem que deter-se.
4.2. A FINITUDE DA
RAZÃO
A razão percebe seu poder (de auto-conhecimento como
auto-limitação) e também a sua limitação.
Em relação aos objetos metafísicos, mostra-se sem apoio, sem base. Em Kant, a razão é finita porque permanece
claramente referida aos objetos da possível experiência. Fora desta, não há
conhecimento.
Kant atribui à
subjetividade uma importância maior que Descartes (ela que constrói o
conhecimento) e ao fazer isso conhece também sua finitude: ela não pode
conhecer o verdadeiro ente metafísico, Deus.
a) O primeiro
significado está na conexão total da investigação da natureza (conhecimento)
isto é, Kant nos ensina a ver a natureza como se tivesse surgido de um
princípio supremo, enquanto, este consegue unidade na consideração da natureza.
O conceito de Deus como idéia da razão é, pois, um princípio regulativo que permite ver toda ligação no mundo como se
seguisse de uma causa necessária. Ele se torna um puro conceito condutor da
investigação do mundo.
b) A razão teórica não
pode chegar a Deus como ser supremo, com isso, Deus não pode ser nem afirmado,
nem negado pela razão teórica. A partir de onde alguém o faria?
c) Na hipótese de que
houvesse outro caminho para chegar a Deus, a razão teórica poderia impedir que
se pense o conceito de Deus de modo inadequado (como objeto), exercendo uma
função crítica e purificadora dos possíveis caminhos para chegar a Deus.
Assim, Kant acaba com
o Deus dos filósofos (metafísica racionalista que fez de Deus objeto). O único
que resta deste Deus é só uma idéia da razão. Mas isso é decisivo para Kant:
pois, porque há uma idéia de Deus, se pode chegar à crença em Deus. "Tive
que suprimir o saber para abrir lugar da crença."
4.3. A INCONDICIONALIDADE DA LIBERDADE
Se o incondicionado é
um conceito problemático no âmbito da razão teórica, no uso prático da razão é
diferente. Aqui nos encontramos com o incondicionado da lei moral, que não é um
objeto que se possa apreender com os meios do entendimento, mas simplesmente o
incondicionado da práxis. É a pessoa mesma que coloca em si exigências
incondicionais, pois, a pessoa pode determinar-se para o agir pela livre
vontade. Se a totalidade não é dada a razão especulativa surge a possibilidade
de realizá-la praticamente na história, como obra da liberdade do ser humano. A
totalidade a realizar inclui na história duas dimensões: política e religião. A
liberdade que se realiza na relação política inter-humana só chega a sua
consumação na religião (em termos de esperança). Deus surgirá como aquele
Absoluto de quem o ser humano pode esperar a consumação da sua liberdade.
4.4. A LEI MORAL
Kant concebe a
liberdade como um incondicionado. A razão não se esgota na sua atividade teórica do conhecimento. Ela é também
razão prática, isto é, pode
determinar a liberdade de incondicionalmente sem qualquer referência a fatos
empíricos. Tal incondicionalidade da liberdade é a lei moral, que é o único
fato da razão pura. Fundamenta tudo e por nada é fundamentada. É um fato. Sendo
incondicionada, a liberdade nunca se realiza totalmente. Ela é uma tarefa, um
dever-ser. E o ser humano se percebe como humano justamente quando se capta
como o ser que deve realizar-se absolutamente. Tal exigência é o dever, a
necessidade de uma absoluta auto-realização.
4.5. AUTONOMIA DA LIBERDADE
Em Kant, este
incondicionado não é Deus, portanto, nem na razão pura teórica, nem na razão
prática. A auto-fundamentação transcendental da consciência e da liberdade é
pensada autonomamente, sem recurso a Deus. Esta autonomia da liberdade
significa: a) negativamente: negação
de toda determinação alheia vinda de fora; b) positivamente: autodeterminação segundo a lei da razão. O ser
humano é pessoa por esta autonomia que lhe dá a dignidade de ser em si mesmo um
valor absoluto.
4.6. A REALIZAÇÃO MORAL DA LIBERDADE
A lei moral (dever-ser
da liberdade) é o único fundamento de toda determinação da liberdade. Mas esta
lei deve determinar não só a liberdade, mas o ser humano todo é também um ser
sensível de instintos e inclinações. A realização da liberdade é, pois, uma tarefa
a realizar no mundo. Como se dá isso?
4.7.O SUPREMO BEM
A realização da
liberdade se apresenta sob duas condições: na forma de virtude e de felicidade,
elementos reunidos no realização do Supremo Bem.
Em que consiste? A lei
moral é o fundamento da liberdade. A liberdade deve fazer daquela a sua única
máxima da ação. Tendo que realizar-se no mundo, a primeira norma que dirige a
realização da liberdade será a submissão da natureza sensível do ser humano à
lei moral. Esta submissão se dá na forma de virtude, como firme propósito de
resistir às inclinações naturais humanas. O Supremo Bem é o fim último possível
de ser alcançado pela liberdade no mundo. O ser humano se coloca o dever de se
realizar absolutamente. Busca isso pela ação. Cada ação tem um fim. Ao último
dos fins Kant chama de Supremo Bem. Só alcançando-o a liberdade se realizará.
Assim, o Supremo Bem é definido a priori
pela lei.
O Supremo Bem deve
conter em si a virtude e a felicidade. Virtude:
o Supremo Bem contém em primeiro lugar a virtude, o bem primeiro, como condição
de tudo que possa parecer bom e desejável. Felicidade:
a liberdade, enquanto está afetada por inclinações sensíveis e interesses
aspira à felicidade, que é o estado de um ser de razão no mundo aquém na
totalidade de sua existência, tudo vai conforme seu desejo e sua vontade.
Portanto, o Supremo Bem deve incluir também a felicidade, que tem que ser
concebida sob a condição da virtude.
O Supremo Bem só é
possível como Supremo Bem da liberdade de todos. Consiste, pois, na felicidade
conforme a cada um, universal e unida também no todo do mundo com a moralidade
mais pura. Como tal, propõe ao ser humano a realização da unificação da
moralidade e natureza segundo a lei da liberdade.
A unidade
moralidade/felicidade (ideal de perfeição) é prescrita como dever, pela lei
moral. Se é dever, deve também ser possível. Como?
Limites da razão da realização da unidade: A razão teórica é
impotente para realizar tal unidade, pois ela se ocupa da natureza. A razão
prática também não parece impotente por três razões:
Primeira: A liberdade se regula pela lei moral,
diferente das leis naturais e por isso não pode determinar a natureza sensível
do ser humano.
Segunda: É a liberdade, regida pela lei moral, que
deve submeter a natureza sensível, sendo causa da felicidade.
Terceira: Se a liberdade se corrompe pelo mal e pelo
mal universal e institucionalizado, como poderá ainda realizar o Supremo Bem?
Se o indivíduo vive no reino do mal, nele os homens se corrompem mutuamente na
sua disposição moral.
Temos desenhado o
processo a realizar: da moral surge um fim que inclui nele o ser humano na sua
incondicionalidade e na sua sensibilidade. A relação entre o mundo inteligível,
determinado pelo absoluto da lei moral, e o mundo histórico (sensível),
determinável pela moralidade, é caracterizada pela tensão insuprível entre a idéia e a experiência. A tarefa da religião é realizar a idéia na
experiência. Entre a idéia e a experiência há um espaço no qual se realiza o
drama da história humana. E a consideração filosófica que dirige esta tensão em
direção para a sua consumação é a teleologia. O fim da natureza é a humanidade
na sua completa perfeição moral. A presença do mal agrava este drama, pois o
inimigo não é só a sensibilidade própria, constituída pela liberdade em
princípio determinante, mas o mal de todos que publicamente erige seu reino num
estado de natureza ética. A realização da perfeição moral da humanidade
residirá não só nas ações externas boas conforme à lei moral, também não só na
atitude moral interna isolada do indivíduo, mas no bem no fenômeno, isto é, no
bem realizado na história. Assim, a teleologia com a qual Kant concebe a
história das ações humanas surge arqueologicamente de um dever incondicional e
se dirige para uma escatologia realizada assintoticamente na esperança.
Deus entra no
horizonte da razão prática, isto é, da ação e da liberdade: no horizonte da
realização da liberdade (porque: Deus garante a realização da liberdade). Deus
surge como aquele que me permite ver a possibilidade da realização da liberdade
- consuma a liberdade. Isto é, Deus surge em termos de esperança. O Deus que
surge é um Deus funcional: é o ser humano que determina qual a função de Deus.
V.
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
1.
MARTIN HEIDEGGER (1889 – 1976) – A METAFÍSICA OCIDENTAL COMO “ESQUECIMENTO DO
SER”
“A existência humana não é um simples fato: ela articula,
no próprio ato da sua manifestação, a questão do Ser. Existir é habitar
estatisticamente na verdade do Ser. Pensar é descobrir reflexivamente o caminho
do Ser”.
Heidegger afirma que a
filosofia Ocidental procurou o sentido do Ser indagando os entes. Assim, a
metafísica clássica é a filosofia do esquecimento do Ser, pois, quando os
filósofos clássicos tentaram definir o Ser, na verdade definiram o ente.
O problema fundamental
da filosofia de Heidegger não é o ente (ser humano), mas a questão do Ser.
Heidegger afirma que a questão que lhe preocupa não é a existência do ser
humano, e sim a questão do ser em seu conjunto, do ser em geral. Um dos objetivos
de sua obra Ser e tempo é investigar
o sentido do ser. Para isso, começou investigando o Ser que nós próprios somos.
A pergunta central de Heidegger é ‘qual é o sentido do Ser?’ Ele substitui a
pergunta dos filósofos clássicos: ‘o que é o Ser’?
O ponto de partida para
determinar o ser do ente em geral é o Dasein
(ser aí). Pois de todos os entes, o ser humano é o único ao qual é exigida
uma solução para o problema do existir. O Dasein
é a existência, é um poder ser. O Dasein
é o único que pergunta, é o único capaz de questionar o sentido do ser.
Questionar é ir na raiz, é procurar o ente naquilo que ele é e como é. A
aparente gratuidade do existente é o sinal da presença do ser-no-mundo. O
ser-no-mundo é a condição fundamental do ser humano mesmo em sua humanidade. Este
é o primeiro existencial. Para Heidegger, o verdadeiro mundo não é o da
contemplação ou da ação, mas o da presença.
O segundo existencial
é o ser-com-os-outros, pois, assim como não há sujeito sem mundo, também não há
sujeito isolado dos outros. O ser-no-mundo manifesta o assumir o cuidado com as
coisas, e o ser-com-os-outros se exprime em ter cuidado com os outros.
O terceiro existencial
é o ser-para-a-morte. A voz da consciência chama o ser humano à existência
autêntica. Isto remete o ser humano do plano ôntico ao ontológico, do
existensivo ao existencial. O que faz entender que a morte é uma possibilidade
de existência: a morte é a possibilidade de que todas as outras possibilidades
se tornem impossíveis. A morte mostra o fim de todo projeto. A compreensão da
possibilidade da morte como impossibilidade da existência faz o ser humano
encontrar seu ser autêntico.
O ser-para-a-morte é
angústia, que é experiência reveladora do nada. A angústia põe o ser humano
diante do nada, isto é, do não-sentido de todos os projetos humanos e da
própria existência. Viver autenticamente é ter coragem, de olhar para a
possibilidade do não ser. O futuro é um viver-para-a-morte.
2. POR
UMA ÉTICA DA ALTERIDADE COMO FILOSOFIA PRIMEIRA – EMMANUEL LÉVINAS (1905 –
1995) E A FENOMENOLOGIA DO ROSTO DO OUTRO
“O Rosto
do Outro é o princípio mesmo da filosofia”. (Lévinas)
“Quem é
o filósofo? É alguém que vive sem saber aonde vai chegar, que não sabe de onde
partir, que sem saber de onde vem e para onde vai se vê jogado diante de um
Rosto aquém e além do Ser”. (Lévinas)
Lévinas faz uma
fenomenologia do existente. Ele analisa a noção de existência em Heidegger, e
mostra como um existente surge da existência neutra, anônima, impessoal. A
existência é o Ser em geral. É um absurdo, é uma tragédia, porque, a existência
(verbalidade do Ser) acontece independente do existente. Para Lévinas, a
existência é o mal do Ser. Basta imaginar os campos de concentração: milhares
de pessoas morrem, mas o Ser continua, isto é, milhares de existentes morrem,
mas a existência continua, permanece. Por isso, “o Ser é o absurdo do Ser”.
O
primeiro passo de Lévinas é recuperar o existente na existência. A existência é
experiência do não-sentido. O existente sai da existência e quebra a
neutralidade do Ser. O Ser é puro não-sentido e quem dá sentido é o existente,
ou seja, o ser humano. E só na relação inter-humana, na epifania do Rosto do
outro é que o existente rompe com o não-sentido, isto é, com o Ser.
2.1. O
ROSTO DO OUTRO NOS VEM AO ENCONTRO E NOS DIZ: “TU NÃO MATARÁS”
O Rosto do outro não é
um objeto que eu possa agarrá-lo. Eu não tenho poder sobre o outro: “Se se
pudesse possuir, agarrar e conhecer o outro, ele não seria mais outro. Possuir,
conhecer, agarrar são sinônimos de poder”. No face-a-face, o outro se dá e se
retira: “O outro enquanto outro não se torna um objeto que pode ser nosso: pelo
contrário, ele se retira em seu mistério”. O outro se retira por medo de ser
engolido. Todas as vezes que o Eu tenta aprisionar o Outro, ele se retira.
O outro
é “Dom” que se dá, se doa. Quem se dá, não dá para destruir, para matar, por
isso, a relação com o Rosto do outro é imediatamente ética. O Rosto do outro
vem ao teu encontro e diz: “Tu não matarás”, isto é, “AMA-ME, cuida de mim, não
me mate”. “O essencial à erótica é que a alteridade diz: ‘não matarás!’ por
meio do Rosto. Significativa irradiação ética do erotismo e na libido pelos
quais a humanidade entra na sociedade a dois, sociedade que a irradiação ética
mantém”. O outro não me destrói, porque quem se doa não aparece para destruir.
Ele me aliena, porque eu não posso poder sobre ele. Ele me doa a sua face e
confirma o meu existir.
O outro
é mistério, é absoluta nudez. “O outro enquanto outro não é somente um Outro Eu: ele é aquilo que eu não sou.
Ele é, por exemplo, o fraco, o pobre, a viúva e o órfão, enquanto eu sou o rico
ou o poderoso”.
“A estrutura da minha liberdade é
completamente revirada quando encontro com o Rosto do outro”. Lévinas

[1]
Cf. GAARDER, J. O mundo de Sofia: Romance
da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 24.
[2]
Cf. ANTISERI, D. e REALE, G. História da
Filosofia: Filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2004, p. 12.
[4] Cf. GAARDER, J. Op. Cit. P, 26.
[5] GAARDER, J. Op. Cit. P. 31.
[6]
LAERTIOS, D. Vidas e doutrinas dos
filósofos ilustres. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.
[7] PLATÃO. A República. (adaptação de Marcelo
Perine). São Paulo: Scipione, 2002, p. 83-86.
[8] Conforme Giovanni Reale,
a quem acompanhamos de perto neste resumo da ética aristotélica, a mais
elevada virtude dianoética, segundo Aristóteles, é a sapiência (“sophia”):
cf. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II: Platão e
Aristóteles. p.419. Para o padre Vaz, porém, a principal virtude
intelectual, segundo Aristóteles, é a sabedoria (“phronesis”):
cf. VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia IV; Introdução à
ética filosófica 1. p.239).
[9] Extraído
de ADAS, Sérgio. Filosofia em sala de
aula: Cadernos de exercícios 5.
[10]
EPICURO. Carta sobre a felicidade: a
Meneceu. Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carrote. São Paulo: UNESP,
2002, p. 39.
[11] MORAES,
J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São
Paulo: Moderna,1998.
[12] Conforme Giovanni Reale,
a quem acompanhamos de perto neste resumo da ética aristotélica, a mais
elevada virtude dianoética, segundo Aristóteles, é a sapiência (“sophia”):
cf. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II: Platão e
Aristóteles. p.419. Para o padre Vaz, porém, a principal virtude
intelectual, segundo Aristóteles, é a sabedoria (“phronesis”):
cf. VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia IV; Introdução à
ética filosófica 1. p.239).
[13]
Extraído de ADAS, Sérgio. Filosofia em
sala de aula: Cadernos de exercícios 5.
[14]
EPICURO. Carta sobre a felicidade: a
Meneceu. Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carrote. São Paulo: UNESP,
2002, p. 39.
[15] MORAES,
J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São
Paulo: Moderna,1998.
[16]
Atividade extraída de: ADAS, Sérgio. Filosofia
na sala de aula: cadernos de exercício 5 [encarte da revista Filosofia:
ciência & vida].
[17] Idem
O Supremo Bem só é possível como Supremo Bem da liberdade de todos. Consiste, pois, na felicidade conforme a cada um, universal e unida também no todo do mundo com a moralidade mais pura. Como tal, propõe ao ser humano a realização da unificação da moralidade e natureza segundo a lei da liberdade.
A unidade moralidade/felicidade (ideal de perfeição) é prescrita como dever, pela lei moral. Se é dever, deve também ser possível. Como?
Limites da razão da realização da unidade: A razão teórica é impotente para realizar tal unidade, pois ela se ocupa da natureza. A razão prática também não parece impotente por três razões:
Primeira: A liberdade se regula pela lei moral, diferente das leis naturais e por isso não pode determinar a natureza sensível do ser humano.
Segunda: É a liberdade, regida pela lei moral, que deve submeter a natureza sensível, sendo causa da felicidade.
Terceira: Se a liberdade se corrompe pelo mal e pelo mal universal e institucionalizado, como poderá ainda realizar o Supremo Bem? Se o indivíduo vive no reino do mal, nele os homens se corrompem mutuamente na sua disposição moral.
Temos desenhado o processo a realizar: da moral surge um fim que inclui nele o ser humano na sua incondicionalidade e na sua sensibilidade. A relação entre o mundo inteligível, determinado pelo absoluto da lei moral, e o mundo histórico (sensível), determinável pela moralidade, é caracterizada pela tensão insuprível entre a idéia e a experiência. A tarefa da religião é realizar a idéia na experiência. Entre a idéia e a experiência há um espaço no qual se realiza o drama da história humana. E a consideração filosófica que dirige esta tensão em direção para a sua consumação é a teleologia. O fim da natureza é a humanidade na sua completa perfeição moral. A presença do mal agrava este drama, pois o inimigo não é só a sensibilidade própria, constituída pela liberdade em princípio determinante, mas o mal de todos que publicamente erige seu reino num estado de natureza ética. A realização da perfeição moral da humanidade residirá não só nas ações externas boas conforme à lei moral, também não só na atitude moral interna isolada do indivíduo, mas no bem no fenômeno, isto é, no bem realizado na história. Assim, a teleologia com a qual Kant concebe a história das ações humanas surge arqueologicamente de um dever incondicional e se dirige para uma escatologia realizada assintoticamente na esperança.
Deus entra no horizonte da razão prática, isto é, da ação e da liberdade: no horizonte da realização da liberdade (porque: Deus garante a realização da liberdade). Deus surge como aquele que me permite ver a possibilidade da realização da liberdade - consuma a liberdade. Isto é, Deus surge em termos de esperança. O Deus que surge é um Deus funcional: é o ser humano que determina qual a função de Deus.
V. FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
1. MARTIN HEIDEGGER (1889 – 1976) – A METAFÍSICA OCIDENTAL COMO “ESQUECIMENTO DO SER”
“A existência humana não é um simples fato: ela articula, no próprio ato da sua manifestação, a questão do Ser. Existir é habitar estatisticamente na verdade do Ser. Pensar é descobrir reflexivamente o caminho do Ser”.
Heidegger afirma que a filosofia Ocidental procurou o sentido do Ser indagando os entes. Assim, a metafísica clássica é a filosofia do esquecimento do Ser, pois, quando os filósofos clássicos tentaram definir o Ser, na verdade definiram o ente.
O problema fundamental da filosofia de Heidegger não é o ente (ser humano), mas a questão do Ser. Heidegger afirma que a questão que lhe preocupa não é a existência do ser humano, e sim a questão do ser em seu conjunto, do ser em geral. Um dos objetivos de sua obra Ser e tempo é investigar o sentido do ser. Para isso, começou investigando o Ser que nós próprios somos. A pergunta central de Heidegger é ‘qual é o sentido do Ser?’ Ele substitui a pergunta dos filósofos clássicos: ‘o que é o Ser’?
O ponto de partida para determinar o ser do ente em geral é o Dasein (ser aí). Pois de todos os entes, o ser humano é o único ao qual é exigida uma solução para o problema do existir. O Dasein é a existência, é um poder ser. O Dasein é o único que pergunta, é o único capaz de questionar o sentido do ser. Questionar é ir na raiz, é procurar o ente naquilo que ele é e como é. A aparente gratuidade do existente é o sinal da presença do ser-no-mundo. O ser-no-mundo é a condição fundamental do ser humano mesmo em sua humanidade. Este é o primeiro existencial. Para Heidegger, o verdadeiro mundo não é o da contemplação ou da ação, mas o da presença.
O segundo existencial é o ser-com-os-outros, pois, assim como não há sujeito sem mundo, também não há sujeito isolado dos outros. O ser-no-mundo manifesta o assumir o cuidado com as coisas, e o ser-com-os-outros se exprime em ter cuidado com os outros.
O terceiro existencial é o ser-para-a-morte. A voz da consciência chama o ser humano à existência autêntica. Isto remete o ser humano do plano ôntico ao ontológico, do existensivo ao existencial. O que faz entender que a morte é uma possibilidade de existência: a morte é a possibilidade de que todas as outras possibilidades se tornem impossíveis. A morte mostra o fim de todo projeto. A compreensão da possibilidade da morte como impossibilidade da existência faz o ser humano encontrar seu ser autêntico.
O ser-para-a-morte é angústia, que é experiência reveladora do nada. A angústia põe o ser humano diante do nada, isto é, do não-sentido de todos os projetos humanos e da própria existência. Viver autenticamente é ter coragem, de olhar para a possibilidade do não ser. O futuro é um viver-para-a-morte.
2. POR UMA ÉTICA DA ALTERIDADE COMO FILOSOFIA PRIMEIRA – EMMANUEL LÉVINAS (1905 – 1995) E A FENOMENOLOGIA DO ROSTO DO OUTRO
“O Rosto do Outro é o princípio mesmo da filosofia”. (Lévinas)
“Quem é o filósofo? É alguém que vive sem saber aonde vai chegar, que não sabe de onde partir, que sem saber de onde vem e para onde vai se vê jogado diante de um Rosto aquém e além do Ser”. (Lévinas)
Lévinas faz uma fenomenologia do existente. Ele analisa a noção de existência em Heidegger, e mostra como um existente surge da existência neutra, anônima, impessoal. A existência é o Ser em geral. É um absurdo, é uma tragédia, porque, a existência (verbalidade do Ser) acontece independente do existente. Para Lévinas, a existência é o mal do Ser. Basta imaginar os campos de concentração: milhares de pessoas morrem, mas o Ser continua, isto é, milhares de existentes morrem, mas a existência continua, permanece. Por isso, “o Ser é o absurdo do Ser”.
O primeiro passo de Lévinas é recuperar o existente na existência. A existência é experiência do não-sentido. O existente sai da existência e quebra a neutralidade do Ser. O Ser é puro não-sentido e quem dá sentido é o existente, ou seja, o ser humano. E só na relação inter-humana, na epifania do Rosto do outro é que o existente rompe com o não-sentido, isto é, com o Ser.
2.1. O ROSTO DO OUTRO NOS VEM AO ENCONTRO E NOS DIZ: “TU NÃO MATARÁS”
O Rosto do outro não é um objeto que eu possa agarrá-lo. Eu não tenho poder sobre o outro: “Se se pudesse possuir, agarrar e conhecer o outro, ele não seria mais outro. Possuir, conhecer, agarrar são sinônimos de poder”. No face-a-face, o outro se dá e se retira: “O outro enquanto outro não se torna um objeto que pode ser nosso: pelo contrário, ele se retira em seu mistério”. O outro se retira por medo de ser engolido. Todas as vezes que o Eu tenta aprisionar o Outro, ele se retira.
O outro é “Dom” que se dá, se doa. Quem se dá, não dá para destruir, para matar, por isso, a relação com o Rosto do outro é imediatamente ética. O Rosto do outro vem ao teu encontro e diz: “Tu não matarás”, isto é, “AMA-ME, cuida de mim, não me mate”. “O essencial à erótica é que a alteridade diz: ‘não matarás!’ por meio do Rosto. Significativa irradiação ética do erotismo e na libido pelos quais a humanidade entra na sociedade a dois, sociedade que a irradiação ética mantém”. O outro não me destrói, porque quem se doa não aparece para destruir. Ele me aliena, porque eu não posso poder sobre ele. Ele me doa a sua face e confirma o meu existir.
O outro é mistério, é absoluta nudez. “O outro enquanto outro não é somente um Outro Eu: ele é aquilo que eu não sou. Ele é, por exemplo, o fraco, o pobre, a viúva e o órfão, enquanto eu sou o rico ou o poderoso”.
“A estrutura da minha liberdade é completamente revirada quando encontro com o Rosto do outro”. Lévinas

[1] Cf. GAARDER, J. O mundo de Sofia: Romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 24.
[2] Cf. ANTISERI, D. e REALE, G. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus, 2004, p. 12.
[4] Cf. GAARDER, J. Op. Cit. P, 26.
[5] GAARDER, J. Op. Cit. P. 31.
[6] LAERTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Universidade de Brasília, 1988.
[7] PLATÃO. A República. (adaptação de Marcelo Perine). São Paulo: Scipione, 2002, p. 83-86.
[8] Conforme Giovanni Reale, a quem acompanhamos de perto neste resumo da ética aristotélica, a mais elevada virtude dianoética, segundo Aristóteles, é a sapiência (“sophia”): cf. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II: Platão e Aristóteles. p.419. Para o padre Vaz, porém, a principal virtude intelectual, segundo Aristóteles, é a sabedoria (“phronesis”): cf. VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia IV; Introdução à ética filosófica 1. p.239).
[9] Extraído de ADAS, Sérgio. Filosofia em sala de aula: Cadernos de exercícios 5.
[10] EPICURO. Carta sobre a felicidade: a Meneceu. Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carrote. São Paulo: UNESP, 2002, p. 39.
[11] MORAES, J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo: Moderna,1998.
[12] Conforme Giovanni Reale, a quem acompanhamos de perto neste resumo da ética aristotélica, a mais elevada virtude dianoética, segundo Aristóteles, é a sapiência (“sophia”): cf. REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II: Platão e Aristóteles. p.419. Para o padre Vaz, porém, a principal virtude intelectual, segundo Aristóteles, é a sabedoria (“phronesis”): cf. VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de filosofia IV; Introdução à ética filosófica 1. p.239).
[13] Extraído de ADAS, Sérgio. Filosofia em sala de aula: Cadernos de exercícios 5.
[14] EPICURO. Carta sobre a felicidade: a Meneceu. Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carrote. São Paulo: UNESP, 2002, p. 39.
[15] MORAES, J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo: Moderna,1998.
[16] Atividade extraída de: ADAS, Sérgio. Filosofia na sala de aula: cadernos de exercício 5 [encarte da revista Filosofia: ciência & vida].
[17] Idem
Se pudessem postar o gabarito das questões, ficaria muito grato.
ResponderExcluirOk! Já adicionei o gabarito no final das questões.
ResponderExcluirparabéns pelo trabalho, filosofia é uma matéria incrível, todavia há poucos artigos na internet bem organizados. Mas este seu site é ótimo!
ResponderExcluir#obrigado
Parabéns pelo blog professora! Está muito bem organizado e apresenta bons materiais!
ResponderExcluirGostaria de saber a fonte de onde foram tiradas as questões. Tenho tentado produzir questões de múltipla escolha para as minhas avaliações de filosofia. Não é uma tarefa fácil, pois sabemos que temos que fazer algo de nível equilibrado e seguindo certa metodologia (estou tentando adaptar algumas regras de "produção de itens" do SAEB).
Estas questões vão me ajudar em muito a comparar o nível de dificuldade das questões que tenho tentando produzir e até mesmo podem servir de referência na produção de questões ou no uso delas em minhas avaliações.
Deixo aqui também, com a sua permissão se possível, o endereço de meu blog, recém construído.
http://filosofandonasaladeaula.blogspot.com/
Grato por tudo!
naaoooooooooo tem gabaritoooooooooooooooooooo :(((
ResponderExcluirParabéns professora pelo desempenho e ajuda que deixa para todos que almejam encontrar algo pronto ou um norte para os trabalhos a realizar, é com grande satisfação que leio e anoto tudo pois é uma soma ímpar o seu trabalho.
ResponderExcluirEu quero usar este meio para agradecer e apreciar a grande ajuda de DR.OGBES por me ajudar a grávida depois de oito anos de casamento e não é capaz de conceber, mas hoje, com a ajuda de DR.OGBES eu agora sou uma mãe, devo dizer muito muito obrigado a vocês DR.OGBES e oro para que Deus continue a abençoá-lo com a grande ajuda que você prestado a pessoas lá fora, graças, mais uma vez eu realmente não sei o quanto eu posso agradecê-lo com grande alegria em meu hart agora mas Deus irá recompensá-lo mais e mais, você é um Deus enviou ao mundo continuar fazendo seu trabalho que Deus vai aumentar you.email dele via: landofanswer@hotmail.com ou ligue +23487050270227.
ResponderExcluirgostaria de saber se no gabarito a palavra GERAL quer dizer as alternativa correta?
ResponderExcluirGeral quer dizer q são as respostas do primeiro tópico ''SUGESTÕES DE QUESTÕES DE FILOSOFIA'' ...
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