Por Cely em 09/12/2010
“Pois bem, se eu tivesse um
saco, ele estaria explodindo em abscessos de tão cheio. Parece que a
desinformação é mesmo um câncer, que consegue transformar vítimas em algozes e
manipular até o mais óbvio dos contextos.
Ok, eu explico, mas já vou
avisando que vai ser polêmico. Não se pode escapar de ler/ouvir da boca dos
homens – ou em alguns casos até de mulheres – que o feminismo é coisa de
lésbica mal-comida, certo? Esse é o clichê dos clichês, que felizmente com um
pouco de conversa pode ser revertido. Mas, quando o assunto é separatismo
lésbico, ou moças que escolheram amar outras mulheres e fazem disso uma posição
política, se afastando ao máximo dos homens, aí parece que todo mundo vira
lesma com sal. ‘Viu só, viu só, a que ponto chegam essas feministas? Onde já se
viu discriminar homens? Isso sim é sexismo mimimi!’
Não precisa nem chegar ao
radical separatismo lésbico para as pessoas surtarem, você pode comentar sobre
Mujeres Libres e outros grupos que admitem apenas mulheres, de uma simples
oficina ou evento com temas específicos para mulheres, ou até mesmo uma reunião
de amigas para debater feminismo para a qual os rapazes – pobrezinhos – não
recebem o convite VIP. Tudo vira motivo para dizer ‘Oh, corram para as
montanhas, elas estão discriminando homens!’. Daí vem aquele papo todo de que
se o feminismo quer ser justo é preciso acolher os homens, ou estaremos
praticando um sexismo inverso. Nesse caso, acolher os homens significa
trazê-los para nossos encontros, ouvir o que eles têm a dizer sobre feminismo e
em hipótese alguma criar espaços restritos para mulheres.
O argumento dos homens é que
precisamos de união, caminhar juntos, sem nenhum tipo de discriminação,
tolerância feelings e tal e tal. Muito bonito, louvável, pena que na prática
não é bem assim que funciona. As feministas que já tiveram a experiência de
admitir homens na roda de discussão com certeza experimentaram algumas das
facetas do patriarcado que restavam dentro deles, porque, afinal, é muito
difícil desconstruir a ideia de superioridade masculina, ainda mais quando traz
privilégios diretos. Claro que admiramos os mínimos progressos dos homens ao
nosso redor, e sempre que possível estamos tentando fazê-los compreender melhor
o peso do patriarcado e suas conseqüências sobre as mulheres. Aos poucos,
aqueles mais próximos já não chamam as mulheres de putas porque fazem sexo, já
não as culpam por estupro ou esbravejam toda vez que vêem uma delas atrás do
volante no trânsito, mas ainda não podemos comemorar nenhuma vitória.
Tomemos como exemplo algumas
reuniões de grupos feministas, anarquistas ou mesmo uma reunião do movimento
sindicalista, em que temos exemplos suficientes de homens que levantam a voz
para as mulheres quase que automaticamente, enquanto tendem a ouvir mais os
outros homens da mesa. Como disse nosso queridinho José Serra ‘Com mulher não tem
competição’, porque, afinal, elas são inferiores. Tenho dois casos recentes
para dividir: Um foi com uma organização sindical que não vou citar o nome
aqui, da qual uma amiga minha feminista estava participando ativamente. Um dos
caras que fazia o discurso socialista mais incrível, que fazia todo mundo se
sentir inspirado, era o mesmo cara que sentava o traseiro peludo na cadeira na
hora de jantar em público e mandava a esposa dele pegar tudo o que queria. A
mulher quase não tinha tempo para comer sua própria comida, porque o cidadão a
fazia de garçonete particular. Daí, quando outras pessoas do movimento foram
discutir o problema, o homem ficou possesso e se desligou de lá. É bem como
dizem por aí, até o menor dos operários tem uma escrava em casa.
Tenho minhas próprias
experiências em outros grupos também, sempre observei que basta um homem entrar
em uma discussão feminista que ele começa a advogar pelo seu ‘gênero’. É
incrível, estamos ali falando dos problemas das mulheres, que muitas vezes
incluem os homens como algozes, e lá vai o rapaz libertário dizer que as coisas
não são bem assim, porque afinal, ele é homem e é super legal. É a velha
cultura da exceção, só porque alguns homens não estupram ou socam mulheres não
quer dizer que a maioria esmagadora dos que o fazem não sejam homens e tenham
uma educação muito semelhante. Ao invés de apoiar as mulheres e conversar com
outros homens para criar uma consciência melhor, os caras entram na defensiva,
e com isso também inibem as mulheres de falar. Outro detalhe é o
constrangimento que muitas mulheres sentem em revelar que sofreram algum tipo
de abuso sexual, físico ou moral perto de outro homem, pelo medo de serem
julgadas (mas como você estava vestida mesmo?). Isso traz ainda mais problemas
para a visibilidade das opressões contra as mulheres, porque como tod@s bem
sabem, toda mulher tem uma história de horror para contar.
Isso sem mencionar o tratamento
velado reservado às mulheres nas organizações. Até entre aqueles que se dizem
libertários ou contra-culturais impera o status-quo, em que mulheres servem
basicamente para decoração e deleite dos machos do bando. Não é raro andar por
meinhos libertários e escutar os comentários mais trogloditas do mundo, o
cidadão faz questão de ir na palestra feminista, com patch do Crass na jaqueta e símbolo de ♀=♂, e falar
bem alto entre os amigões que a garota palestrante podia calar a boca chupando
o pau dele. E ainda temos aquelas cenas alternativas que são dominadas por
homens, com bandas de homens, zines de homens, onde as mulheres são tratadas
ainda como ‘gostosas’ ou ‘barangas’, ‘santinhas’ ou ‘putas’, e os caras ainda
têm a cara de pau de dizer que elas é que não se interessam em estar ali, ou só
vão pelo namorado.
Enfim, fica claro que esses
espaços ‘mistos’ não servem ou servem muito pouco à luta das mulheres. E isso
não acontece porque os homens são todos essencialmente malvados e odiamos todos
eles, mas porque os valores vigentes apontam para a superioridade masculina e é
quase impossível que os caras não se contaminem com tudo que lhes foi ensinado
sobre a dominação das mulheres. Você tem um garoto que desde pequeno recebe
estímulos para ser livre enquanto sua irmã é oprimida, que tem a mãe sempre à
disposição e a vê sendo calada frequentemente pelo pai, que se torna seu
herói…precisa do que mais?
Agora, outra reflexão, já
pararam para pensar em quais são os espaços ‘femininos’ hoje na nossa
sociedade? Os homens contam com a partida de futebol, o boteco, o puteiro, as
casas de jogos, sempre gozam da companhia dos amigos até mesmo quando casados
(a célebre escapada da megera). Já as mulheres, onde se encontram para trocar
idéias? No salão de beleza? No shopping fazendo compras? No parquinho cuidando
das crianças? Por que será que a ideia que se faz de mulheres juntas em um bar
ou qualquer lugar de confraternização é tido como ameaçador pelos homens, em
especial maridos? Por que os pais dizem às suas filhas ‘Vai deixar de sair com
seu noivo para sair com amigas? Isso não está certo.’ E uma questão que vi
esses dias e achei muito interessante: Pense em algum filme, qualquer um que
você já tenha visto na vida, que tenha um diálogo de mais de 3 minutos entre
duas mulheres, e que elas não estejam conversando sobre homens (o protagonista,
no caso). Difícil, né?
A verdade é que a convivência
entre homens é estimulada, enquanto que as mulheres são incentivadas a competir
umas com as outras em função dos homens. A rivalidade feminina é uma estratégia
esperta do patriarcado, que joga umas contra as outras na busca pela atenção
dos machos enquanto eles criam laços fortes entre si. A amizade entre os homens
é um pacto, e garante muitos momentos de confraternização e fortalecimento dos
laços. A amizade entre mulheres é vista como algo superficial, infantil e
sempre frágil, como se a primeira aproximação de um ‘partidão’ pudesse gerar
uma briga e uma disputa. Os espaços públicos, por sua vez, também pertencem aos
homens, já que ainda hoje é perigoso para uma mulher andar sozinha por aí,
ainda mais de noite, afinal seu corpo pode ser alvo da invasão de um homem pelo
simples fato de ser mulher. Claro que as mulheres já saem sozinhas, já tiveram
muitas conquistas, mas ainda existe esse clima de medo, em que só andar com um
homem ao lado é totalmente seguro. Se você anda sozinha, sem um ‘homem
proprietário’, torna-se alvo de abusos verbais e até agressões físicas.
Como se não bastasse todo esse
cenário favorável aos homens na sociedade, ainda querem excluir os únicos
espaços unicamente femininos que existem com o argumento do sexismo! Como se,
realmente, as mulheres estivessem se empoderando para atacar os homens, quando
na verdade ainda estamos no primeiro passo em busca da igualdade de direitos: o
fortalecimento das mulheres e identificação entre si. É um egoísmo tremendo um
homem apontar para uma feminista e dizer que ela está sendo sexista por fazer
uma reunião apenas de mulheres, sabendo que não há outras oportunidades como
esta em que elas poderão trocar experiências e se apoiar para lutar contra a
opressão masculina. Basicamente, os homens já têm toda a liberdade que poderiam
desejar, mas não se conformam de ser excluídos de uma simples reunião entre
mulheres que buscam a mesma liberdade. Isso se chama birra, costume de ser
privilegiado em tudo.
E enfim podemos chegar até a
revelação do dia (wow): A verdade, querid@s, é que as feministas não são
separatistas, OS HOMENS É QUE SÃO SEPARATISTAS.
Ou vai dizer que você nunca reparou
como eles formam seus grupos de amigos e transformam isso em um universo
PARALELO? Eu já convivi bastante entre homens, já ouvi absurdos – e ouço,
sempre – mas posso afirmar que existem coisas ainda mais pesadas que eles só
dizem quando estão juntos, e são segredos de Estado. Os homens podem até fingir
que tratam as mulheres com igualdade, mas são os primeiros a falar um monte
pelas costas delas quando estão com os amigos. Eles narram como gostariam de
transar com aquela amiga de vários anos que nem imagina, como a namorada é
chata e menos gostosa que fulana, ou como a enganaram para poder sair naquele
dia, diversos comentários que não teriam coragem de dizer em nenhum outro
local, senão na segurança do universo masculino. Na vida real, não têm coragem
ou dignidade suficiente sequer para dizer à própria esposa que gostaria de sair
ou que algo lhe desagradou, preferem enxergar as mulheres como idiotas e fazem
das traições e mentiras um jogo divertido.
Um dos primeiros mandamentos na
vida dos homens é justamente de não tratar as mulheres como iguais, elas são
sempre mais frágeis, mais burras, ou só servem para sexo. Quantas vezes a gente
não escuta os rapazes dizendo ‘Eu gosto é de mulher’. Sempre que eu ouço essa
frase eu sinto um embrulho no estômago, e tenho vontade de responder ‘Gosta o
cacete, se gostasse você respeitaria, na verdade você ODEIA! O que você gosta é
de arrombar mulheres.’ ‘Gostar’ de mulher significa apreciar a penetração nas
bucetas delas, basicamente. E isso pode facilmente ser interpretado como ódio,
porque eles mesmos dizem que ‘foderam a vagabunda, aquela piranha desgraçada,
bem feito, tomou rola’, é sempre degradante ou humilhante para a mulher fazer
sexo, porque eles sempre se acham os donos da situação. Quando o cara vê uma
mulher bonita e sexy posando de lingerie, ele tem dois sentimentos: Tesão e
ódio. Ele tem prazer e admiração pelo corpo da mulher, mas acha automaticamente
que ela não presta, que só mulher vadia comete esse crime que é seduzir e
gostar de sexo, e que ela nunca vai ser ‘mulher para casar’.
Sou uma eterna desconfiada das
intenções dos homens para com as mulheres, mas tenho meus motivos. O universo
masculino não poupa ninguém, é um território em que a justiça e igualdade são
jogadas na lata do lixo, em troca de algumas risadas. Enquanto eles falam tanto
de sexo hetero, na verdade não conseguem cumprir o princípio básico da relação
sexual satisfatória, que é o respeito. Eles precisam ‘comer’ as mulheres,
precisam condená-las por gostarem de sexo e procurar a mais travada de todas
para ter uma relação séria, para não correr riscos e enfim eleger a ‘patroa’,
que será sempre o motivo de zombaria da noite com os amigões. E precisam,
principalmente, dar um jeito de inferiorizar todas as mulheres com quem
convivem e excluí-las de seus momentos de confraternização, afinal, elas só
seriam chamadas para a diversão caso o interesse fosse foder umas bucetas. Eu
não sei como alguns homens deitam a cabeça no travesseiro e dormem, levando
essa vida dupla que exclui metade da humanidade, mas tomara que eu nunca
compreenda de fato.”
Parabéns pela iniciativa do Blog... e por constar o Filosofia e Vida na sua lista de sites! É sempre bom encontrar alguém que partilhe da mesma profissão! Um abraço!
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